BERNARDO SILVA declarou recentemente que a nossa Seleção Nacional sénior de futebol era candidata a vencer o Europeu de 2024. Uma ambição típica de um atleta de alto rendimento cuja carreira profissional está recheada de muitos outros sucessos. Afinal, a manifestação de um desejo que cumprirá agora ao selecionador nacional Roberto Martínez e à restante equipa ajudar a concretizar. Nomeadamente, conseguindo conviver de forma emocionalmente positiva com a ansiedade e o medo de errar habitualmente presentes em competições deste tipo. Cito Richard Davidson no seu livro The Emotional Life of Your Brain: «Como é que a compaixão, o bem-estar, a caridade, o altruísmo, a bondade, o amor e outros nobres aspetos da condição humana, emergem no cérebro e podem ser alimentados? (…) Precisamente como quando praticamos o levantamento de pesos ou o andar de bicicleta, treinando e melhorando com a prática diária das atitudes e comportamentos pretendidos.» Roberto Martínez terá, também, de ajudar, assim, na criação de um clima de trabalho onde domine uma grande sensibilidade para com as emoções individuais, bem como a respetiva integração dessas emoções nas dinâmicas coletivas da Seleção Nacional. Idem quanto a cada jogador potenciar as emoções dos outros, colocando-se cada um no seu lugar, sem egoísmos, demonstrando serem capazes de se sacrificarem pelos interesses coletivos. TODOS sabemos quanto as emoções de treinadores e jogadores por vezes escapam ao seu controlo e os conduzem a reações inesperadas. O que nos permite antecipar que também acontecerão reações individuais negativas (ansiedade, frustração, inveja, desconforto, etc.), que afetarão o ambiente de trabalho; o que justifica que a nossa Seleção Nacional permaneça a partir deste momento em cuidados intensivos relativos às relações saudáveis, foco e concentração nas tarefas, controlo da ansiedade e empatia individual e coletiva, disponibilidade para que todos se superem ao serviço de um todo maior do que a soma das partes. Como comenta Louise Barrett no seu livro Beyond the Brain, estamos perante um processo muito dinâmico e com constantes influências mútuas. Tanto somos influenciados pelo meio ambiente, como este vai recebendo em permanência o impacto da nossa presença. E, sendo um facto que nascemos com uma determinada herança genética, mudamos conforme o que o meio ambiente nos vai influenciando, tal como somos um importante fator de mudanças sociais. ESTAMOS, afinal, sempre a comunicar e a desencadear emoções, como também essas emoções se propagam pessoa a pessoa e potenciam, pela positiva ou negativa, a interação pretendida. Nomeadamente através das mensagens não-verbais contidas na nossa expressão facial e corporal, tal como concentrarmos toda a nossa atenção no objetivo de estabelecer vínculo emocional que permita a sintonia com aqueles a quem nos dirigimos. Tenho-o defendido ao longo de anos e insisto, tudo se treina, (Tudo se Treina, Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2014). Treinando e aprendendo a fazer, fazendo, cumprirá assim a cada membro da nossa Seleção Nacional de futebol subverter as tradicionais alternativas entre psíquico e orgânico em que até ao momento se acreditou assentar a forma de pensar e intervir dos seres humanos. Treinadores e jogadores são todos motivados ou motiváveis, precisando simplesmente de estar convencidos que são seus os desafios com que se confrontam. DEVEM por isso reagir a tudo o que os irá envolver daqui até ao Europeu, não de um modo cego, mas numa interação constante entre o seu corpo como um todo e o meio ambiente em que se inserem. Ao fazerem parte de um determinado contexto social, familiar ou profissional, estarão sempre sob a respetiva influência, somando experiências. Quando, por fim, tomam determinadas atitudes e comportamentos, fazem-no sempre em função daquilo com que deparam (uma determinada situação) e é através do seu corpo todo (do seu ser global) que se comportam como um ser indivisível, totalmente presente em cada momento e cujos sentidos se complementam e interagem. Afirmou Manuel Sérgio no seu livro Alguns olhares sobre o Corpo: «O treino será tanto mais pedagógico quanto mais se transformar num espaço aberto ao diálogo e à reflexão crítica, entre os vários elementos que compõem a mesma equipa. Assim o treino deverá comprometer-se com a criação de estruturas mentais e uma fenomenologia da imaginação (Bachelard), que permitam uma rutura com o reducionismo antropológico racionalista e com todos os sistemas, onde a voz do treinador, ou o querer do dirigente, despontem sempre como indiscutíveis, indubitáveis, a-dialéticos». UM verdadeiro contágio emocional refletindo em espelho (através dos designados neurónios espelho) as ações, atitudes e comportamentos que observamos naqueles com quem convivemos. Os sentimentos que observamos nos outros sincronizam-se com os nossos e, através desta ligação estabelecemos poderosas interações, com profunda influência no modo como desenvolvemos os nossos processos de aprendizagem ou de treino. Aprendemos imitando e gerando um repertório cada vez maior de emoções, tal como treinamos atitudes e comportamentos conformes com as respetivas regras sociais vigentes. Um constante diálogo inconsciente em que emoções, sentimentos e movimentos se vão sintonizando e as nossas expressões faciais e posturas corporais vão facilitando a respetiva leitura de como nos estamos a sentir. Em geral, cumprirá assim aos treinadores e aos jogadores da nossa Seleção Nacional intervirem de forma a serem mobilizadores e inspiradores das atitudes comportamentais pretendidas. Sem nunca esquecerem que ao comportarem-se de modo conforme com os hábitos previamente adquiridos, será muito provável que alguns sintam que, em defesa do interessa coletivo, necessitam fazer alguns sacrifícios (Duigg, C., The Power of Habit/ London: Random House Group, 2013). Mas atenção! Não esqueçam que sempre que mudamos de hábitos, baixamos o respetivo rendimento até aí alcançado. O que obrigará à criação de um clima de trabalho não só emocionalmente positivo (Goleman, D., Inteligência Social /Lisboa: Temas e Debates, 2011), como também onde dominem a surpresa e a curiosidade. CITANDO a psicóloga espanhola Maria Ruiz de Õna, há mais de vinte anos a trabalhar no futebol espanhol, «necessitamos de treinadores que entendam que a sua função não é a de simplesmente porem em campo onze soldaditos (…) Cumpre-lhes desenvolver as competências dos jogadores e humanizar as pessoas e as relações do futebol.» Pois que assim seja também no futuro futebol português, tornando possível concretizar o objetivo apontado recentemente pelo nosso Bernardo Silva: vamos vencer o próximo Europeu 2024! Termino alertando para as palavras de Luis Umbelino, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e meu ex-orientador de tese de doutoramento. «Para o filósofo a opinião pessoal não tem grande valor. É mesmo a ultrapassagem da opinião pessoal que deve ser entendida como o começo do conhecimento. Sozinhos, nada sabemos. A opinião pessoal é sempre limitada, relativística, muitas vezes apressada. O desafio de pensar é pensar com outros, com aqueles que já pensaram os mesmos problemas que nós.» «Só quando afirmamos: ‘ainda não tinha pensado nisto’, estamos em condições de sabermos que nos abrimos à diferença que funda o conhecimento autêntico. Mais importante do que a opinião pessoal será, portanto, formar a densidade do pensamento, pois só esta é capaz de começar por perceber o que realmente chama a pensar. Se não percebemos isto hoje é porque a nossa sociedade nos quer convencer, por uma espécie de tirania da igualdade, que todos somos iguais, que a opinião de todos é igual, que todas as opiniões são válidas, etc. A esta ideia bizarra junta-se a velocidade e a emoção: todos querem uma reação. Infelizmente, tudo isto é contrário ao pensamento verdadeiro.» «A profundidade da reflexão não está na opinião: está no conflito de interpretações. (…) Conclusão, não é a opinião que devemos procurar primeiro, mas sim o estudo do problema, a descrição dos respetivos contornos e dimensões. Depois, escolhemos uma perspetiva ou ponto de vista. Estudamos esse ponto de vista, analisando os autores que melhor o desenvolveram e encontrando nesse diálogo o nosso lugar. Finalmente, estamos prontos para entrar no conflito de interpretações com outros autores e dimensões do problema.» UMA verdadeira lição de um grande professor que espero sinceramente possa servir no próximo futuro de suporte a todos os membros que compõem a nossa Seleção Nacional, dirigentes incluídos. E não só! Também aos habituais comentadores em jornais, rádio e televisão! A bem do próximo êxito da nossa Seleção Nacional sénior masculina no Europeu de 2024, impõe-se que todos aqueles que irão dar a sua opinião e avaliar a respetiva progressão a nível de treinos e competições não esqueçam as palavras de Luís Umbelino. Repito-as: «Não é a opinião que devemos procurar primeiro, mas sim o estudo do problema.»