PRETENDER treinar crianças e jovens, exige que este tipo de intervenção respeite que não é meramente uma questão das crianças e jovens envolvidos se esforçarem cada vez mais, mas acima de tudo, de se esforçarem cada vez melhor. Impõe-se criar enquadramentos de treino onde dominem elevados níveis pedagógicos no que respeita ao ensino respetivo; evitando o medo de errar, embora dando espaço ao cometimento de erros e respetiva correção; nunca esquecendo que, de um ponto de vista social, fazem a diferença os países onde ser atleta de alto rendimento não significa falta de apoios a nível escolar. Dirigentes e treinadores de crianças e jovens necessitam ser capazes de encontrar soluções para os diferentes problemas com que se confrontam. Antes do mais, a necessidade de criar e manter climas de trabalho lúdicos. Logo em seguida, a possibilidade sempre presente de ‘conquistar’ futuros atletas de alto rendimento. Mas também que se comece imediatamente a evitar ‘condenar’ muitos desses jovens praticantes ao abandono precoce, ou pior ainda, a um ostracismo social futuro por falta de preparação académica. VEM isto tudo a propósito da participação entusiástica gerada ao redor da minha opinião aqui expressa recentemente com o título Basquetebol português, motivos de reflexão. Entre muitas outras mensagens entretanto recebidas, eis o que uma mãe de dois jovens filhos praticantes de basquetebol entendeu expressar. «Não fui praticante, nem treinadora, tão pouco juiz da modalidade. Entro no Basquetebol pela mão dos meus 2 filhos praticantes da modalidade e que ‘respiram’ basquetebol. O mais novo pratica a modalidade desde os 5 anos. Nunca dei muita importância ao tema, confesso, mas tenho vindo a alterar a minha opinião à medida que eles crescem e que me parece que a ‘paixão’ aumenta. Começo a perceber que de uma forma ou de outra, as suas vidas podem passar por este desporto. E é nesta perspetiva que tenho vindo a procurar saber e conhecer mais.» «Quero que os meus filhos sejam felizes, e se os quero ver felizes é com uma ‘bola laranja’ na mão. Mas como lhes digo muitas vezes, não é negociável o abandono dos estudos para se dedicarem exclusivamente à prática da modalidade. Não nesta fase…não nestas idades!» «Cumpre-me fazer deles crianças felizes, mas também é minha obrigação prepará-los para se tornarem autónomos, auto-sustentáveis e capazes de constituir famílias que possam/queiram vir a formar.» «Sei de antemão, que apesar da paixão que os move, fisicamente nunca chegarão ao modelo/perfil exigido pela modalidade. Para se tornarem atletas profissionais, fazerem o que gostam e ganharem dinheiro com isso vão precisar tornarem-se uns ‘foras de série’ em tudo o resto, uma vez que a altura os vai limitar muitíssimo. Não estou a duvidar que seja possível, nem tão pouco a não acreditar nas suas capacidades. Mas sei, à partida, a tarefa árdua que os espera.» «Apesar do esforço e investimento que me parece que se faz na captação de crianças para a modalidade no minibasquetebol, assim como nas idades seguintes de formação, vejo muito pouca gente preocupada com isto. E esta falta de preocupação é transversal a quase todos os agentes: pais, clubes, escolas, associações, federação. Não existe oferta, no ensino público, de ensino articulado com a área do desporto.» «Mas os ‘experts’ na área desportiva não se cansam de repetir, especialmente após a pandemia, a importância que assume o exercício físico na formação e saúde física e mental das crianças e jovens. Se os meus filhos quiserem ser músicos ou bailarinos, a escola tem oferta de ensino articulado com estas áreas, onde as crianças reduzem a carga horária escolar para se dedicarem ao estudo do instrumento ou dança que escolheram.» «Mas se quiserem praticar um desporto são apelidados de calões: ‘inscrevem-se em tudo só para serem dispensados das aulas…’. As escolas continuam a não entender e sem valorizar o esforço, dedicação, organização, foco e poder mental que é preciso adquirir para alguma vez se sonhar ser atleta de alta competição. E sonhar, ainda não paga imposto. Especialmente nestas idades!!!» «Estes miúdos têm o direito de praticar uma modalidade de que gostem em articulação com as Escolas, Clubes, Associações, Municípios, Federação e Poder Central. Não faz sentido nenhum sacrificar o percurso académico destas crianças em prol da modalidade. Assim com não faz sentido não treinarem o suficiente para poderem manter o desempenho escolar. Os clubes precisam antes de mais de ter noções básicas de organização, gestão e finanças. Depois da casa arrumada necessitam de treinadores com formação. E para os manter ou adquirir os ‘bons’, precisam de ser capazes de produzir receita para lhes pagarem.» «Se isto não acontecer, não vão conseguir segurar os talentos ou ‘centímetros de crescimento ósseo’ que vão surgindo nestas idades. Os ‘paizinhos’ ávidos de orgulho e vaidade de terem um filho a ‘treinar’, (muitas vezes nem sequer é jogar), ‘num dos Grandes’, vão sacrificar a vida académica dos mesmos e ‘embandeiram em arco’ com a ideia megalómana do filho vestir de ‘verde e branco’, ‘encarnado’ ou ‘azul’. O Benfica, o Sporting e o Porto, agradecem o investimento.» «Mas se não servirem, descartam os meninos sem qualquer responsabilidade. E estes jovens adolescentes que deixaram o seu sonho pelo caminho e nos kms de asfalto que separam as suas casas/escolas e o clube de treino, nem sequer vão servir para treinadores qualificados, professores de educação física, preparadores físicos, árbitros, gestores de clubes, formadores ou dirigentes. Porque não estudaram. Em suma, para mim que acabei de chegar (e por isso vale o que vale!), o problema do Basquetebol em Portugal é falta de FORMAÇÃO.» PALAVRAS de uma mãe que, como diz, «acabou de chegar» ao basquetebol português. Mesmo admitindo a sua falta de experiência, tal não a impediu de nos alertar assertivamente para uma das questões mais decisivas e importantes contidas no treinar crianças e jovens. Refiro-me à responsabilidade incontornável de, enquanto dirigentes e treinadores do basquetebol, nunca nos esquecermos de mobilizar crianças e jovens também como futuros adultos socialmente válidos e reconhecidos enquanto tal nas suas comunidades. Claro que temos a responsabilidade de manter o objetivo de fazer emergir excelentes atletas de basquetebol! Mas tal nunca deve sobrepor-se à preocupação de, em paralelo, prepararmos homens e mulheres para a sua futura inserção social, enquanto cidadãos. Pertenço à geração daqueles que, num determinado período temporal, conseguimos projetar o basquetebol português como uma referência e um modelo organizacional a nível nacional. Responsabilidade essa que assumi aqui lançando um desafio cujas respostas me ‘empurraram’ para voltar ao assunto. VEJA-SE mais este exemplo: «No basquetebol português, da Formação ao Alto Rendimento, o que se passa é pobre, desligado de um plano coletivo e condicionado pela afirmação de objetivos individuais e egocêntricos, que se sobrepõem ao objetivo mais abrangente e digno que deveria ser o processo de melhoria do Basquetebol Nacional.» «Quando observamos atentamente a convocatória da atual seleção nacional de seniores o que é que lá vemos? Os jogadores das posições 1 e 2 (bases e 2.ºs bases) têm importante relevância nas respetivas equipas de clubes e são opções de valia internacional reconhecida.» «Pior ficam as coisas quando começamos a analisar as opções feitas nas restantes posições (3, 4 ou 5, ou seja, extremos, extremos postes ou postes): aí deparamos com um já muito debatido problema (e nunca resolvido!). É que os jogadores selecionados destas posições, são, todos eles, atletas que raramente jogam nas equipas de clubes, apresentando um quadro geral de aquisição de capacidades correspondentes àquela condição de suplentes pouco utilizados.» «Ou seja: a nossa seleção depende de jogadores (nos seus confrontos com as melhores equipas europeias ou mundiais), que nem sequer no pouco competitivo campeonato da Liga Portuguesa assumem a posição de principais! Mas, porque é que é assim? Ou seja, dizendo de outra maneira: qual é a diferença entre o Diogo Araújo, Daniel Relvão, João Guerreiro, Vladyslav Voytso ou Neemias Queeta e outros atletas que no passado cresceram e se afirmaram no nível nacional de topo e internacional? Casos de Sérgio Ramos, Paulo Pinto, Nuno Marçal, Fernando Sá, Carlos Lisboa, Betinho Gomes, Elvis Évora e muitos outros? A diferença é de principais ou indispensáveis para suplentes ou dispensáveis. Explico: de longa data, o nosso basquetebol sofre de um problema de base. Que podemos designar como a incapacidade geral para o nosso sistema trabalhar com os olhos postos no médio ou no longo prazo.» «Quanto ao panorama geral da modalidade, centramos a respetiva qualidade (atletas, treinadores e planeamento), em duas ou três associações mais ‘fortes’ e quem está fora dessa área, se quer ir mais além, terá de migrar para lá. Com esta dinâmica, as associações periféricas (na sua influência), lamentavelmente têm o seu sucesso em casos pontuais, ou a reboque de trabalhos isolados. O futuro terá de passar pela aposta no profissionalismo, dos que querem e podem, com a garantia de um investimento que permita maior exigência. E o que é verdade nas associações, é verdade nos clubes em Lisboa, onde dois ou três clubes recrutam tudo e os campeonatos são desnivelados, sem competitividade e interesse.» CONCLUINDO, se não há resultados (embora aqui e ali o basquetebol feminino vá fazendo o seu caminho), algo tem de mudar. Será que falta entusiasmo e empenho aos agentes da modalidade? Não, não é essa a razão porque regredimos. Proliferam exemplos de imensa dedicação e esforço no sentido de ajudar o basquetebol português a sair da atual mediocridade. Talvez um problema de competências? Talvez. Não porque não existam no País dirigentes, treinadores e árbitros com qualidade em número suficiente. Mas sim porque falta capacidade de liderança de quem de direito para escolher de modo meritocrático. Será uma questão de falta de organização? Não nos parece que seja esse o problema principal. Onde verdadeiramente temos de mudar é no alinhamento necessário ao redor dos objetivos comuns que se tornam exigíveis a nível nacional. Federação, dirigentes, treinadores, associações regionais, clubes, árbitros... necessitam (com urgência!) envolver-se todos numa causa comum. Afinal, todos ao serviço de um basquetebol português em que o todo seja maior que a soma das partes. Para já, os meus agradecimentos aos que estão a procurar contribuir para o debate em curso e que espero se prolongue em cada associação regional e, posteriormente, a nível da Federação Portuguesa de Basquetebol. Com o devido e merecido destaque imediato dos companheiros Mário Silva e Jorge Henriques, por aceitarem prolongar neste momento o seu companheirismo. Aquela nossa obra coletiva intitulada «Mudar é preciso, Basquetebol Português, motivos de reflexão», editada no ano de 2005 e onde, como sempre, ‘dominou’ a opinião do nosso saudoso mestre Teotónio Lima, merece mesmo ser revisitada.