Tirar o capote

OPINIÃO17.04.202004:00

A crise pandémica fechou-nos em casa e expôs o mundo. O bom e o mau; o sensato e o indecoroso; o multimilionário e o indigente; o solidário e o avaro; o sonhador e o pragmático; o amor e o ódio. O universo entrou-nos em casa e sentou-se no nosso sofá, com uma mudança substancial na reação, uma vez que todos nos tornámos muito mais suscetíveis à suscetibilidade dos outros. Esta, pelo menos, parece ser uma vela acesa no escuro que vai dentro de nós.

Há mais tempo para pensar, ou para refletir, que será pensar várias vezes sobre o mesmo assunto. A atitude de alguns jogadores - cada vez mais - do escondido atrás das pedras do mediatismo Campeonato de Portugal (CP) de angariar alimentos para companheiros de profissão que passam fome expôs o melhor e o pior. O melhor está à vista de todos e passa pela generosidade do ato de dar sem nada querer em troca; o pior está no facto de existirem profissionais de futebol - sim, porque muitos são profissionais encapotados - que passam fome. Não é novidade para ninguém que a paragem dos campeonatos cortou as receitas o futebol, como aconteceu em diversas áreas de atividade. Mas no caso do CP, a questão é simples: praticamente não existem receitas, a bilhética dos jogos é ínfima; os direitos televisivos quase inexistentes e muitos dos jogadores que de momento clamam por ajuda queixam-se que deixaram de receber bem antes da declaração da pandemia e por isso estão em situação económico-financeira tão débil que têm de recorrer a ajuda para se alimentarem. Por isso esta crise pode ter a ver com a propagação do novo coronavírus mas tem a ver com um mal há muito enraizado no futebol português: o da irresponsabilidade, que leva dirigentes a fazerem orçamentos sem o mínimo de garantia que os possam cumprir e que quando, no CP, deixam de ter hipóteses de subir, deixam de pagar.

Depois disto, será uma boa altura para tirarem o capote do amadorismo, deixarem os responsáveis a nu e, já agora, resolverem o problema.