Sporting: O legado de Ruben Amorim
'Mercado de valores' é o espaço de opinião semanal de Diogo Luís
No dia 5 de março de 2020 o Sporting contratou um jovem treinador (Ruben Amorim) ao SC Braga pagando a cláusula de rescisão. A desconfiança em torno desta decisão foi enorme por vários motivos: em primeiro lugar, porque as decisões anteriores tomadas pela administração do Sporting não tiveram sucesso e foram questionáveis; em segundo lugar, porque o Sporting passava por sérias dificuldades financeiras e contratar um jovem treinador por €10 M foi um ato de enorme risco; em terceiro lugar, porque Ruben tinha apenas dois meses de experiência em alta competição, apesar de ter resultados palpáveis durante esse tempo.
A realidade é que foi pelas mãos de Ruben Amorim que o Sporting se transformou e apresentou o melhor futebol que tive oportunidade de ver este clube jogar. Entrou com a desconfiança de muitos adeptos (inclusivamente pela sua cor clubística) e vai sair como um dos melhores técnicos que o clube teve.
Entrou num clube dividido, instável, que tinha os próprios adeptos a assobiarem a equipa desde os primeiros minutos em casa, e vai sair com um clube unido, com adeptos felizes e orgulhosos da sua equipa e com um ambiente no estádio incrível, como se viu no último jogo. Entrou com um plantel composto por jogadores sem grande experiência, que não estavam habituados a vencer e que muitos desacreditavam ou entendiam que não estavam à altura da dimensão do clube, e vai sair com um plantel confiante, com uma cultura de vitória implementada, com uma valorização constante de ativos e com muitas vendas de elevado valor pelo meio. Entrou num clube que, além de estar a passar por um momento de grande instabilidade, não vencia um título há 19 anos, e vai sair com dois títulos de campeão nacional e com uma equipa confiante, motivada e que sabe a cada momento o que deve fazer dentro do relvado.
Na sua primeira experiência na Europa foi eliminado pelo Lask por 1-4 em Alvalade e deixa o Sporting depois de uma vitória de 4-1 frente ao Man. City que é uma das melhores equipas da atualidade. Entrou num clube que tinha dificuldades financeiras, e deixa um clube estável com um plantel que pode gerar encaixes financeiros fantásticos. O antes e o depois de Ruben Amorim parecem duas realidades opostas e que nada têm a ver uma com a outra. Há apenas um ponto em que a mudança não se verificou. Ruben entrou e saiu a sorrir. Não teve receio de encarar os momentos negativos de frente e fê-lo sempre da mesma forma como quando teve sucesso. Foi um escudo para a direção leonina que sempre lhe deu o seu apoio incondicional.
Após cinco anos, Ruben conseguiu conquistar a confiança dos adeptos, promoveu a motivação em todos (jogadores e aficionados), proporcionou momentos únicos a todos os sportinguistas e foi também marcante no futebol português. Defendeu sempre os seus jogadores em todos os momentos e isso é algo que é reconhecido pelos seus atletas, conforme tivemos oportunidade de ouvir nas declarações de muitos deles. Foi astuto, vivo e soube aproveitar o que os momentos lhe proporcionavam, como foi o caso de «onde vai um vão todos».
A sua comunicação e as suas conferências foram sempre diferentes. Ao fim de quase cinco anos não gerou cansaço ao contrário de muitos outros que treinaram equipas de grande dimensão em Portugal. Uma coisa é certa, vai deixar saudades nos adeptos do Sporting e naqueles que gostam de futebol e que o seguem com atenção. No meu caso, fico a torcer para que tenha sucesso e seja mais um português a demonstrar a qualidade e a capacidade que temos neste setor, em constante evolução, que é o futebol.
Sporting: que futuro?
Ruben Amorim deixa o Sporting a praticar um futebol incrível, com uma dinâmica coletiva bem definida, com uma equipa mecanizada e com jogadores muito confiantes, adultos e maduros. Muitos dizem que o seu sucessor, João Pereira, irá ter uma vida difícil. Eu vejo as coisas de outra forma. Difícil seria se encontrasse um balneário com jogadores desacreditados, com um ambiente negativo em torno da equipa, com resultados negativos e numa posição complicada na tabela classificativa.
Se pensarmos um pouco, o que descrevi foi precisamente o que Ruben Amorim encontrou quando ingressou no Sporting. O que João Pereira vai encontrar é um conjunto de jogadores unidos, que se sentem confiantes, motivados e que conhecem na perfeição a forma de jogar que está trabalhada. Irá também encontrar um plantel com uma cultura de vitória assimilada e que joga com intensidade durante os 90 minutos. Em seu redor terá o apoio dos adeptos que se reveem na equipa, na sua forma de jogar e que não só estão confiantes como a apoiam onde quer que esta vá. O contexto que vai encontrar para trabalhar é muito positivo. Para ter sucesso, terá de ser inteligente, integrar-se bem, perceber e conhecer os atletas que vai liderar e definir o caminho que quer que os seus jogadores sigam.
Substituir um treinador tão marcante não é tarefa fácil, até porque Ruben Amorim destacava-se na liderança e na comunicação. A primeira missão de João Pereira será a de agarrar os jogadores que são sempre a chave para o sucesso. Os adeptos, embora mais exigentes, percebem a dificuldade e irão ter alguma tolerância que João Pereira deverá saber gerir. A comunicação do novo treinador leonino é outro ponto que será alvo de análise e que deixa a curiosidade a todos os que acompanham o fenómeno do futebol em Portugal.
De uma forma geral o desafio que João Pereira irá ter pela frente é enorme pelas expetativas criadas pelo seu antecessor, contudo as condições que tem à sua disposição são únicas e esse é um ponto que deverá saber utilizar a seu favor.
Saber fechar o ciclo
Depois de inicialmente terem existido algumas divergências no processo negocial, a realidade é que todos se souberam comportar, aceitar a oportunidade que o jovem técnico tem em mãos e fazer o que tinha de ser feito. A despedida de Ruben no jogo com o Man. City foi um momento incrível. Começou com a homenagem de Frederico Varandas antes do jogo, passou pela grande exibição da equipa e terminou com a um momento de enorme empatia e emoção entre todos (adeptos, jogadores e treinador) no final do encontro.
Apesar de ter perdido um grande treinador, a marca Sporting sai valorizada pela forma como os seus dirigentes se comportaram e como se souberam despedir de uma figura marcante da história do clube.