Sinais de mudança

OPINIÃO13.09.202206:30

Rui Costa parece-me hoje apostado em ser melhor, e em melhor servir o Benfica, nas palavras e nos atos

JOGO a jogo, oportunidade a oportunidade, o Benfica vai-se fazendo de forma um pouco diferente. Na última semana, entre mais uma vitória e outra, vi alguns sinais que merecem ser registados. Penso que vimos todos. Já lá chego.
Ao longo do último ano, critiquei várias vezes a liderança de Rui Costa por entender que permanecia refém da liderança anterior. Critiquei o presidente do Benfica porque me parece que, ao privilegiar um estilo discreto perante situações lesivas que exigiam uma reação firme, Rui Costa não estaria a agir na melhor defesa dos interesses do Benfica. Também critiquei a estranha cordialidade que dedicou ao presidente do Futebol Clube do Porto, com quem o Benfica tem contas de milhões por ajustar nos tribunais portugueses, e um clube a quem o Benfica deve enormes danos reputacionais. Mantenho a opinião crítica, mas não ignoro que Rui Costa e a sua equipa têm feito um esforço para se aproximar daquilo que os adeptos desejam.

Na última semana, empurrado para o palco primeiro pelo exercício financeiro, e depois pelo exercício desportivo, o presidente do Benfica avançou com um embalo idêntico ao revelado pela equipa de futebol. Mostrando-se mais confortável do que alguma vez o vi, Rui Costa aproveitou para comunicar algumas ideias-chave das quais é difícil discordar: que a prioridade deve estar na dimensão desportiva e que por isso se investiu de forma diferente, sem deixar de reconhecer a importância da sustentabilidade financeira e a necessidade de vender; que a aposta nos jovens do Seixal não é uma abstração, mas um objetivo mensurável que deve estruturar a construção dos plantéis e permitir a verdadeira afirmação dos miúdos; que a estrutura do futebol tem um projeto e um plano para atuar no mercado - e, a avaliar pelo trabalho desta época, capacidade para o tornar consequente.

Não mudou tudo, mas aos poucos muda o suficiente para se poder afirmar que existe hoje uma forma diferente de presidir, que cada vez menos converge com a anterior. Lembro-me bem de ouvir Rui Costa há um ano bater no peito e afirmar o seu benfiquismo perante algumas acusações de que foi alvo, como se o benfiquismo fosse suficiente para um presidente do Benfica ser competente e ter sucesso. É fundamental, mas não basta. Também o ouvi pedir mais tempo para apresentar resultados, o que na altura me pareceu debatível para alguém que trabalha na estrutura do clube há quase 15 anos.

Aqui chegado, parece-me que Rui Costa e a sua equipa estão a saber aproveitar o tempo que lhes foi concedido. A vida do Benfica e as ânsias dos adeptos que sofrem estarão sempre ancoradas no futebol profissional, e este vive de ciclos e momentos, o que constitui uma plataforma de afirmação com muitas fragilidades. Mas tempos houve em que as vitórias do Benfica pareciam não um impulso para ir atrás de mais, mas antes o combustível de um certo imobilismo. Manteve-se uma maneira de fazer as coisas, com atores pouco recomendáveis, e tudo isso, aos poucos, foi degradando a vida interna do clube e nos conduziu a mais derrotas do que vitórias.

Rui Costa fez bem em não se esconder dos jornalistas na apresentação dos resultados financeiros, como fez bem em não se deixar manietar pela ditadura da folha de cálculo, insistindo no sucesso desportivo como objetivo primordial. Poucos dias depois, deixou pouco por dizer na análise ao planeamento desportivo para esta época, falando dos sucessos e do que correu mal com uma cumplicidade e desenvoltura surpreendentes.

Juntou à dinâmica de vitória uma dinâmica comunicacional que parece pensada para servir os adeptos e não o presidente do clube. Veremos se fará o mesmo exercício quando o vento soprar na direção contrária, mas é inteligente em capitalizar estes momentos. Ao fazê-lo com esta abertura, concretiza um pouco daquilo que preconizou, a tal transparência que há anos escapa ao clube e aos seus adeptos e sócios. Falta saber que final terá a auditoria, falta a revisão estatutária, falta manter o que está bem para lá de um período de vitórias como este.

Antes desta semana, o presidente do Benfica já tinha tomado uma decisão que me parece estruturante para o bom começo. Rui Costa reconheceu as limitações de um modelo presidencialista assente em luzes, descentralizando o poder para incluir alguém como Lourenço Coelho, com provas dadas e capacidade para produzir impacto imediato. A par disso, contratou uma equipa técnica não apenas para lutar por vitórias, mas para lá chegar com um futebol entusiasmante. As virtudes estão à vista de todos, até porque ninguém se cansa de ouvir Roger Schmidt, uma lufada de ar fresco e civilidade neste futebol bafiento.

O treinador que chegou a Portugal e se apresentou dizendo «if we love football you love Benfica» tem sido um aliado fundamental de Rui Costa, porque traz uma visão desinteressada do bafio. Foi contratado para tornar o Benfica campeão outra vez, e pretende lá chegar sem perder as maneiras, um pouco à imagem do tal estilo discreto cultivado pelo presidente eleito. Não sei quanto tempo será possível manter este romantismo, mas seria bom que assim fosse até final da época.

É um facto. As 11 vitórias ajudam, mas são pouco para um clube que passou os últimos anos sem conquistar troféus. É preciso mais, e é preciso querer fazer diferente para chegar às próximas 11 vitórias. Aqui reside para mim a questão fundamental: como é que se faz diferente quando se fez parte do longo ciclo que nos precedeu? Expondo essa vulnerabilidade de uma forma sincera: Rui Costa parece-me hoje apostado em ser melhor, e em melhor servir o Benfica, nas palavras e nos atos. Ser-lhe-á exigido mais, mas está a caminhar na direção certa.