Será necessária muita coragem para enfrentar e vencer desafios
Fernando Gomes, presidente da FPF
Foto: IMAGO

Será necessária muita coragem para enfrentar e vencer desafios

OPINIÃO02.01.202409:24

A escassez de infraestruturas, a deficiente atividade física dos portugueses e a capacidade do futebol profissional para competir na Europa e no Mundo são problemas que temos de atacar em 2024. Estou ao dispor para ajudar nesse processo

O ano de 2024 dificilmente poderia começar melhor: na última semana de 2023 alcançámos novo máximo de federados em Portugal. Ao dia que escrevo, temos 218.845 praticantes de futebol e futsal nas 22 associações distritais e regionais, dos quais 16.375 mulheres. Um número que continuará a crescer nos próximos seis meses.

Estes atletas significam instalações preenchidas, treinadores e dirigentes competentes e um campo de recrutamento abrangente que tornará mais sólida a pirâmide desportiva.

O futebol português nunca foi tão procurado pelas famílias.

O desporto que prometemos desenvolver e promover está na melhor fase da sua história, no que à prática diz respeito.

Na última década desenvolveram-se ferramentas que tornaram possível esta solidez, nomeadamente a certificação das entidades formadoras e o licenciamento para as provas nacionais. Hoje, os clubes sabem os deveres a que estão obrigados e o apoio que recebem.

O maior combate do futebol português, na próxima década, não estará na captação e na retenção de jovens praticantes. Nem sequer na organização de provas distritais ou interdistritais, uma solução urgente face ao anunciado flagelo demográfico. A quantidade, qualidade e utilização de infraestruturas e a capacidade para competirmos na Europa e no Mundo - esses sim! - são os verdadeiros desafios e é nisso que penso no arranque de 2024, ano em que as provas de clubes da UEFA entram num novo ciclo.

UM PAÍS QUE PRECISA DE SE MEXER

O problema das infraestruturas desportivas é crónico.

Durante anos discutimos com as diversas entidades, trabalhámos em conjunto, canalizámos avultados fundos federativos. Algumas associações construíram academias, há diversos projetos em andamento e clubes com instalações renovadas. Mas é evidente que apesar do esforço diário das autarquias, temos de olhar de outra forma para o desporto.

Ninguém tem dúvidas sobre o que enfrentaremos, como país, nos próximos anos.

Viveremos mais tempo, mas as condições em que o faremos dependerão muito da criança e do adulto que formos.

A nossa atividade física é escassa e isso leva-me a pensar que o desporto é um dos maiores investimentos que devemos fazer em nós próprios. Desde cedo, em qualquer idade, ao longo de toda a vida. Para isso precisamos, repito, de privilegiar a atividade física. Infelizmente, a nossa posição entre as nações europeias entristece-nos, o que torna urgente que este tema seja central em qualquer discussão sobre o futuro de Portugal e dos portugueses.

Nos três mandatos à frente da FPF colocámos 34 milhões de euros em planos de recuperação de espaços de clubes e construção de academias. Mas precisamos de pelo menos cinco vezes esse valor, até porque esperamos milhares de novos praticantes, sobretudo raparigas.

Cada euro investido em desporto pela comunidade será devolvido mais tarde, em qualidade de vida e poupança do Estado, nomeadamente nos serviços de saúde.

LUTAR PELA NOSSA DIMENSÃO

Outro tema em que penso diariamente é a capacidade de competirmos na Europa e no Mundo.

Ninguém tem dúvidas sobre a excelência dos nossos melhores jogadores e treinadores.

Somos um inequívoco produtor de qualidade.

Fruto dessa capacidade de formar e trabalhar que os clubes desenvolveram e da competência dos nossos treinadores, as seleções entram hoje em campo com o único pensamento: vencer. Portugal pode bater-se com qualquer país. Se o nível do trabalho for mantido, o futuro não será diferente.

A maior preocupação - especialmente num ano em que as provas da UEFA se alteram - é garantir que os clubes de um país com a nossa dimensão conseguirão ser competitivos no contexto europeu e mundial.

Estou no futebol há tempo suficiente para saber que a única coisa realmente garantida é a incerteza. E não falo da bola que bate no poste. Penso no relevo que hoje em dia têm diferentes receitas: a bilheteira, os sócios, os parceiros, as transmissões televisivas, a participação nas provas europeias, as transferências.

Quando comecei a minha vida de dirigente desportivo, algumas destas linhas tinham pouco peso na vida de um clube. Outras praticamente nem existiam.

Desejo, por isso, que a primeira metade de 2024 seja de recuperação no Ranking UEFA. Portugal precisa urgentemente de pontuar, pois só essa competitividade lhe permitirá ter mais clubes, em melhores posições. Os fluxos financeiros provenientes das provas europeias tornaram-se fundamentais. Mas a capacidade de participar não se avalia apenas quando jogamos. O que fazemos durante 90 minutos é, aliás, resultado de tudo o resto.

Se não criarmos as condições necessárias para fazer crescer o nível de competitividade interna, enfrentaremos o risco de cair na segunda divisão europeia. Esse não é o lugar que merecemos, mas não podemos tomar o estatuto atual por garantido, sob pena de nos afundarmos na nossa própria sobranceria.

O perigo é real e se não houver muita coragem para tomar as medidas certas e mudar, então perderemos muito daquilo que tanto trabalho deu a conquistar nos últimos anos.

O desafio - ser forte e competente na Europa e no Mundo - implica ser capaz de construir os calendários mais adequados, ter os formatos mais equilibrados e o jogo útil mais exigente. É isso que decidirá o futuro próximo do futebol português. A transação centralizada de direitos será também uma peça importante, se complementada por muitas outras. Até porque o processo de centralização - vender os direitos, concretizar a chave de distribuição que potencie o equilíbrio e entregar um produto igual aos melhores - demorará várias épocas. E a necessidade é urgente.

RESPEITO OS MEUS COMPROMISSOS

Na última década alterámos os quadros competitivos da formação e hoje somos uma potência reconhecida por todos. Criámos a Liga Revelação, por onde passam centenas de jogadores numa fase decisiva da sua carreira, a caminho das ligas profissionais. Refundámos o terceiro escalão, com 20 clubes na Liga 3 e um espaço de eleição para as equipas B. Só nas competições profissionais não foram introduzidos quaisquer ajustamentos relevantes, um aspeto para o qual chamei a atenção diversas vezes.

Eu respeito os meus compromissos e sei bem o que representa ser presidente da FPF.

Quando fui reeleito em 2020, assumi diretamente no meu programa (compromisso 98) a vital importância de manter uma relação de parceria com a Liga de forma a podermos construir novos quadros competitivos no futebol profissional propostos pelos clubes e articulados com a FPF.

É o que tenho procurado fazer.

Reafirmo, agora, neste momento tão decisivo, a minha total disponibilidade para colocar ao dispor do edifício do futebol profissional todo o conhecimento e experiência acumulados na FPF de forma a atingirmos objetivos que são, pela sua própria natureza, os de todos nós: a salvaguarda da saúde económica e a afirmação desportiva do futebol português.

DESAFIOS NO FEMININO

Os temas que os clubes da Liga BPI enfrentam na Europa não são menores. O ranking UEFA feminino será particularmente importante em 2024.

Os pontos conseguidos pelo Benfica nas últimas épocas são exemplo do investimento acertado do clube, mas também da capacidade de adaptação de todos os que se envolveram na busca do formato mais equilibrado, que permita jogos competitivos que preparem melhor as jogadoras para os confrontos europeus.

No feminino, os tempos também são de mudança na UEFA. Se Portugal chegar ao final da época no sexto lugar que atualmente ocupa (ou até mais acima…), em 2025/26 teremos uma equipa diretamente na fase de grupos e mais duas nos play-off da Champions. Este é o momento indicado para investir. Meios, claro, mas sobretudo horas de reflexão, análise e discussão partilhada.

Cada vez que um clube entra em campo numa prova europeia, na verdade somos todos nós que lá estamos.

MAIS EXIGENTES DO QUE NUNCA

Quando penso em 2024, não posso deixar de pensar também em 2030, o ano em que todo o mundo olhará para Portugal. E em como as próximas seis épocas serão repletas de temas com que teremos de saber lidar com equilíbrio, capacidade de diálogo, experiência e sobretudo verdade.

No desporto começamos sempre do zero e temos de saber reconstruir-nos, todos os dias, de forma a estarmos à altura do que somos. Essa é a nossa gigantesca tarefa: mantermo-nos no topo. Sem medo de procurar as melhores soluções, mesmo que isso signifique arriscar e fugir de unanimismos artificiais.

Em 2024 seremos mais exigentes do que nunca e deixaremos as associações distritais - a verdadeira base de futebol, futsal e futebol de praia - mais sólidas e qualificadas, com a sua autonomia e independência reforçadas.

Deixo uma palavra final sobre as provas de seleções em que participaremos neste ano. O EURO 2024, mas também os mundiais de futsal e futebol de praia, e as diversas qualificações. Os portugueses podem contar com a nossa qualidade, mas sobretudo com uma certeza: tudo faremos para tornar 2024 o melhor ano da história do futebol português.