Sem tempo para perceber?

OPINIÃO15.09.202004:00

1 - Foi o meu bom amigo José Neto quem me falou sobre Abu Abdallah Muhammad ibn Musa al-Jwarizmi, mais conhecido como Al-Juarismi. Este persa, nascido em 780 D.C., foi um renomado matemático, astrónomo e geógrafo.

Ainda hoje considerado como um dos pais da álgebra, Al-Juarismi escreveu várias obras de sucesso e lecionou durante muitos anos.

Consta que numa das suas aulas, um aluno perguntou-lhe qual a melhor fórmula para medir o valor do ser humano.

A resposta foi elucidativa: «Se tens ética, o teu valor é 1. Se além de ético também és inteligente, deves acrescentar um zero à direita. O teu valor será 10. Se ainda fores rico, adiciona outro zero. O teu valor passará a ser 100. Mas, se além de ético, inteligente e rico, fores boa pessoa, volta a acrescentar mais um zero. Passarás a valer 1000! Agora toma bem atenção: se por acaso perderes o 1, que é o teu valor inicial, o que corresponde à tua ética, ficarás apenas com três zeros seguidos, ou seja, com nada. Sem valores sólidos, o ser humano é uma mão cheia de nada. Na sociedade sobrarão apenas os delinquentes, os que têm a alma corrompida ou as más pessoas.»

Lembrei-me disto enquanto lia algumas opiniões sobre as relações entre políticos e futebol. Não é, nunca foi nem nunca será apenas uma questão partidária ou clubística. Enquanto o bate boca estiver reduzido esse a nível, o balão que tão depressa enche, rapidamente esvaziará. Nada mudará.

2 - A insatisfação generalizada das pessoas a propósito das medidas preventivas do Covid-19 é transversal, acontece um pouco por todo o lado. Por cá, o tema só se mantém vivo porque a DGS - entidade com competência técnica para decidir - continua a tomar algumas opções que, aos olhos de quem está deste lado, são muito discutíveis.

Reconheço que não deve ser fácil a vida de quem está naquela posição. Ninguém previa um drama desta dimensão e é compreensível que o desgaste, a exposição e a dificuldade em lidar com um inimigo tão insidioso toldem a lucidez de gente boa, íntegra e capaz.

Ainda assim, já passaram seis meses. Seis meses desde que o flagelo aterrou em Portugal. Houve ou não tempo para perceber, conhecer e mudar algumas coisas?

Pessoalmente não me incomoda nada que se permita a presença de milhares de pessoas em corridas de touros e Avantes, em celebrações de feriados e GP de Fórmula 1 ou Moto GP, em espetáculos de comédia ou concursos de hipismo, em jantares de reentré política ou celebrações religiosas.

O que eu quero mesmo é que alguém me explique o seguinte: porque é que pode estar tanta gente amontoada aí quando os ajuntamentos são proibidos? Porque é que os jogos são adiados devido à existência de dois/três casos positivos e as escolas onde andam os nossos filhos só fecham em «situações muito extraordinárias, com propagação comunitária intensa»? Porquê é que os autocarros, metros e comboios estão à pinha mas as mesas onde bebemos o café só podem ter quatro pessoas? E, já agora, porque é que eu não posso ir a um bar ou discoteca à noite, mas posso entrar no Elefante Branco até às 4 da manhã?

Decorem estas nove letrinhas: C-O-E-R-Ê-N-C-I-A.