Opinião Sem salários, mas com vitórias
Quase perfeito do Boavista dentro das quatro linhas torna-se imperfeito fora de campo. «Direito ao golo», por João Caiado Guerreiro.
O Boavista é um grande clube. Já foi uma vez campeão nacional, venceu cinco vezes a Taça de Portugal e três Supertaças. Este ano começou o campeonato com uma vitória sobre o Benfica, e em oito jogos tem quatro vitórias, três empates e uma derrota. Quase perfeito tendo em conta o investimento e orçamento para o plantel. Mas não, o quase perfeito dentro das quatro linhas torna-se totalmente imperfeito fora do campo. Ordenados em atraso, assumidos por Vítor Murta, presidente do clube, greve de funcionários, treinos cancelados.
Os salários em atraso são um drama porque trabalhar e não receber é devastador. Infelizmente é um problema que a lei não pode resolver, podia ajudar se tivéssemos uma justiça mais rápida, mas nunca resolver. Os clubes até são empresas, SAD’s, mas se as vendas não chegam para pagar as despesas é um buraco sem fundo. Mas os clubes são geridos para ganhar pontos, campeonatos, e para agradar à massa associativa. A pressão é muito grande para se gastar mais na aquisição e nos salários de jogadores. E não, caros leitores, nem tudo se resolve se as competições correrem bem.
Falemos então no direito à greve que todos os funcionários têm, sejam os do Boavista ou de outro qualquer clube ou empresa. Primeiro, é um direito que segundo o art.º 57 da Constituição é irrenunciável. E tem poucos limites, como se pode ler no Art.º 530 e seguintes do Código do Trabalho. Sendo esta forma de protesto totalmente legítima, isso não quer dizer que não tenha efeitos no clube, e graves. Um clube onde elementos essenciais à prática das competições façam greve arrisca várias sanções. Nas competições por pontos, o art.º 16º, nº3, do Regulamento da Liga Portugal diz que «a falta de comparência não justificada de um clube num jogo oficial (…) determina (…) a atribuição ao clube adversário dos três pontos correspondentes à vitoria». Além dos jogadores que jogam, sem um médico no banco de suplentes (art.º 61 nº 3) não há jogo! E se a prova for a eliminar, a sanção é a eliminação! (art. 44 do mesmo regulamento).
Mas as leis da Liga preveem também as infrações de natureza salarial. O clube que «notificado (…) não demonstrar a inexistência de dívidas salariais perde 2 a 5 pontos», de acordo com o Art.º 74. E se reincidir, perde o dobro dos pontos (nº 2 do mesmo artigo). E continua a piorar caso a «falta não justificada de um clube ao quarto jogo oficial consecutivo ou ao sexto jogo oficial alternado numa competição a disputar por pontos, será punida com a (…) exclusão das competições profissionais por um período entre as seis e as dez épocas desportivas». Um caso extremo, nunca visto em Portugal, mas que seria o fim de um caminho.
Uma importante nota para os outros clubes: o Art.º 49 diz que são «desconsiderados os resultados dos jogos disputados pelo clube sancionado, que não relevam para efeitos de pontuação ou classificação dos restantes clubes». Resolvido!
Numa semana de competições europeias, competições essas onde tantas vezes o Boavista participou, o Direito ao Golo vai para o SC Braga. Grande equipa, grande jogo, enormes golos, vitória histórica.