Sem dependências
O desporto precisa de planeamento exigente e muita colaboração: do governo, das autarquias, das federações, das escolas e da população
AS dependências assumem sempre faces múltiplas, prejudiciais e ruinosas. As falhas de árbitros, dirigentes, jogadores e treinadores são impossíveis de eliminar na totalidade e, por essa razão, merecem crítica e também compreensão, diálogos constantes sem tendências ou inclinações, distinguindo o erro da intenção… As alterações sistemáticas devem adequar-se à evolução natural do jogo e da vida: regime jurídico das federações desportivas, leis de jogo, formação de treinadores, ética, combate à violência e aos novos problemas que o crescimento origina. Na origem do jogo está a mudança, a imprevisibilidade e a inovação. Por vezes, somos invadidos por um silêncio profundo ou por uma algazarra barulhenta que impede concentração, fruto de manifestações de poder sem legitimidade. Se há algo que reduz o futebol são as acumulações de cargos. Num país tão pequeno, só uma pretensa elite controla a definição dos rumos. É evidente a incapacidade de diálogo, sem grande reflexão mas com escolhas obedientes, sem critério e raramente com sabedoria imparcial. Publicam-se artigos elogiosos sobre a função mas nunca se critica o desempenho. Quem não tem autonomia está limitado na responsabilidade, no exercício de previsão e acumula esquecimentos compensadores. O futebol jogado, tesouro a defender, necessita de condições para se desenvolver com segurança e atrair mais participantes e investimentos transparentes.
A eleição dos dirigentes das estruturas de liderança nacional implica o cabal cumprimento de programa apresentado e aprovado. Há necessidade de opiniões fundamentadas, mas faltam debates oportunos sobre as nossas realidades, bem como o rumo que melhor sustente um crescimento seguro, apoiado e respeitado: o que queremos e o que podemos ter. A situação financeira atual é complexa e imprevisível. Desde as aventuras de muitas SAD, às contratações dos jogadores e treinadores, as surpresas são imensas, por isso os riscos de falências e de abandono. Copiar vícios dos chamados clubes grandes pode ser uma utopia desastrosa. O facto dos adeptos não se sentirem como parte essencial do clube, provoca abandono, desinteresse e perda da autonomia, normalmente irrecuperável. Com os jovens atletas, ou os clubes aumentam sistematicamente salários ou perdem os jogadores de referência para quem oferece maior dimensão económica, obrigando a vender passes sucessivos, sem que os jovens talentos consigam atingir a maturidade que permita a genialidade, por vezes esquecendo o atleta como pessoa em crescimento. O futebol atingiu dimensões ilimitadas que vão alterar o jogo em função do negócio e não do jogo, nem do futuro do jovem atleta.
O desporto é um universo que precisa de planeamento exigente e de muita colaboração: do governo, das autarquias, das federações, das escolas e da população. Quantos mais praticantes desportivos, devidamente enquadrados, maior desenvolvimento para o país, melhor condição de saúde e também mais oportunidades para surgir talento.
A FPF e as associações distritais de futebol devem focar-se no objetivo desenvolvimento da modalidade, das regiões e do país. O movimento associativo é um tesouro com muitas oportunidades, a todos os níveis. Como desporto, pressupõe fair play e a necessidade de aumentar os praticantes. Ser dirigente desportivo é prestar um serviço público, também como dever de cidadania, contribuindo para o desenvolvimento integrado do país. Só assim faz sentido: caso contrário o risco pode ser catastrófico, porque egocêntrico.
A função é para ser exercida com dedicação e saber; a missão é o alvo a atingir e que vai sendo atualizado; os objetivos são as etapas que se vão superando, para benefício individual e coletivo.
Um país que valoriza o desporto sem dependências, sem fanatismos nem violência, é um país que pensa e age com princípios. Por isso a nossa pirâmide desportiva implica entendimentos, cooperação, investigação mas também a prática diária do diálogo, com base na discussão e descoberta de novos processos.
Um jogo de futebol nunca são somente 11 contra 11, mas a oportunidade de confrontar estratégias e modelos que surpreendam os adversários. Aceitar os resultados sem protesto, sempre com a vontade de conseguir fazer melhor, é um destino de aprendizagem que nos desperta para juntarmos esforços e colaborarmos no desenvolvimento do clube e do jogo. Os ídolos deixaram de ser próximos e tornaram-se longínquos, embora as transmissões televisivas aproximem como se fôssemos todos vizinhos: jovens do Japão com a camisola de um jogador do FC Porto, outro no Brasil com a camisola do Liverpool... A paixão reside nos adeptos estejam onde estiverem. Aprender no jogo é a tarefa essencial porque espaço onde se constroem amizades que perduram.
«Futebol feminino pode ser uma vitamina para tornar o jogo mais um momento de usufruir»
ARBITRAGEM NACIONAL:PARA O BEME PARA O MAL
TEMOS árbitros com qualidade, embora sejam dadas poucas oportunidades aos mais jovens, na Liga Portugal. Do Conselho de Arbitragem não há sinais de melhoria, o que se lamenta. A ausência da arbitragem nacional no Mundial foi decisão discutível, mas pelo menos que sirva de motivação para elevarmos o nível (técnico, físico, psicológico e comportamental) e ficarmos confiantes que terão de surgir talentos com oportunidades de o revelar. É fundamental conseguir captar jovens árbitros com capacidade e rigor, sem procurar protagonismos. Quanto mais simples e menos notado, mais excelente. Há jogos em Portugal com um tempo útil praticamente de apenas meia parte. Será porque alguns não aguentam o ritmo ou não conseguem distinguir simulação teatral de eventual lesão? Os jogadores também complicam, porque de um ligeiro toque dão ideia de fratura múltipla quando nem foi tocado na perna/pé.
A justiça federativa deveria impor exclusividade para se poder dedicar com empenho e celeridade eliminando as suspeitas dos prazos e as coincidências com eventuais interesses de clubes. Falta um plano integrado para, partindo das novas gerações, começarmos a valorizar a formação específica, promover debates, análises e avaliações de casos de jogo, não para penalizar o relacionamento dos clubes, mas para ajudar a construir o saber vencer e saber perder, por muito que custe a cada um. De outro modo, a violência vai crescendo, os estádios potenciando riscos e o jogo a deixar de ser uma festa passando a território de ódios e conflitos. Temos de avançar, temos de responsabilizar e de devolver o jogo aos adeptos e não aos tribunais.
VENCER A VIOLÊNCIA
Aviolência gratuita invadiu os espaços desportivos. O futebol ocupa a maior percentagem das referências. A pedagogia da formação para os escalões mais novos, por vezes revela exemplos de fanatismo, de intolerância, de guerra sem sentido. Não somos ingénuos ao ponto de acreditar que se podem mudar comportamentos de um momento para outro: é tarefa geracional. Basta analisar as tendências que o futuro vai revelando: envolvimento de multidões, conflitos sistemáticos, famílias a verem nos filhos uma eventual chave do euromilhões como solução para uma vida desejada bafejada pela sorte.
Quando uma equipa entra em campo, não deve haver afrontas individuais, insultos gratuitos e atitudes grotescas. As guerras começam quase sempre pelo inaceitável prazer de magoar, para compensar a sua própria infelicidade: ferir os adversários. O futebol feminino, felizmente num crescimento sustentado, pode ser uma vitamina para tornar o jogo mais um momento de usufruir e aplaudir, menos de grosseria e de provocação ou racismo.
Os treinadores de jovens deveriam fazer formação específica essencial para o escalão que lideram. O exemplo para os jovens começa no treinador e na sua coerência entre o que diz e o que faz. O mister tem de conhecer as fases de evolução de cada atleta (nos aspetos técnico, tático e comportamental). Nos escalões de formação, cada jogo é uma aprendizagem. Por vezes, há um profundo esquecimento de treinadores que marcaram épocas e deixaram um património importante.
REMATE FINAL
O património deixado por Artur Baeta, António Feliciano (no FC Porto), muitos outros no Benfica, no Sporting, no Boavista, no Leixões, no Salgueiros e em muitos clubes de menores recursos (a origem dos talentos) com uma entrega fantástica, não pode ser esquecido. A nível distrital poder-se-ia escolher um dia para divulgar a ação de treinadores que se distinguiram como líderes de jovens: O Dia do Treinador de Formação. Além de um ato de justiça, impedia-se o esquecimento. Aurélio Pereira, o excelente formador dos escalões jovens do Sporting, deixa uma frase que tem de ser superada com urgência: «Hoje os miúdos são todos Ronaldos e os pais Jorge Mendes!»
Os inícios de época são propícios a notícias de transferências que promovem excessos e momentos, onde a razão nem sempre está presente.