Santos da casa não fazem milagres
Fernando Santos jogou para ganhar, usou uma tática arrojada, mas a vantagem da AT por ter um ponta de lança chamado Cláusula Geral Anti Abuso levou a que mais uma vez vencesse
ERNANDO SANTOS, treinador da Seleção Nacional, campeão europeu e vencedor da Liga das Nações. Até ao seu legado, o nosso país nunca tinha vencido qualquer competição internacional de futebol sénior. Com ele, ganhou duas. Prestigiou a Seleção e Portugal!
Posto este reconhecimento, nenhum dos seus méritos teve relevância perante a Autoridade Tributária (AT). Sim, o engenheiro foi tratado como outro qualquer cidadão e caem por terra as teorias da conspiração que acreditam que os poderosos têm um tratamento diferente, para melhor, na justiça portuguesa.
Os factos: quando era selecionador da Grécia, Fernando Santos criou uma sociedade, a Femacosa. Nos anos 2016 e 2017, a empresa recebeu da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) cerca de 10 milhões de euros de honorários. Desses, €2,5 M foram usados para pagar a sociedades entretanto criadas pelos seus adjuntos. O restante serão os seus rendimentos, presume-se.
A AT terá emitido uma liquidação adicional dizendo que o selecionador devia ser tributado em IRS e não em IRC, sendo as diferenças significativas. Nestas datas, o IRC mais derrama andava pelos 24% e o IRS pelos 53% para valores deste tipo. Mais, se se trata de contrato de trabalho, há também a questão do que vai fazer ou já fez a Segurança Social: são mais 34,5% - sobre esta matéria não há notícias.
O selecionador nacional, Fernando Santos, com o presidente da FPF, Fernando Gomes
Com tudo isto estão em causa €4,5M. Fernando Santos socorreu-se do meio alternativo de resolução jurisdicional, o Tribunal Arbitral. Perdeu, já que este concordou com o Fisco. Há, no entanto, um voto vencido do árbitro designado pela Femacosa. Terá o Tribunal decidido bem?
Nos tribunais coletivos não é necessária a unanimidade, mas por vários motivos os juízes esforçam-se por consegui-la. Se há voto de vencido, convém analisá-lo: considerou o Tribunal que o selecionador nacional tinha um contrato de trabalho com a FPF. Desconsiderou, por isso, a existência da empresa Femacosa, por falta de substância - empregados, escritório, meios de produção -, aplicou a Cláusula Geral Anti Abuso e cobrou IRS.
Mas será que um treinador de futebol não pode constituir uma sociedade onde emprega os seus vários adjuntos - atualmente uma equipa cada vez mais vasta - e vender os seus serviços a clubes ou federações? Creio que pode, e é legítimo fazê-lo, há muitas empresas que prestam serviços a um só cliente. Mas aqui imperou o facto de a sociedade não ser uma verdadeira empresa.
Segundo os dados disponíveis, a Femacosa não tinha empregados além do próprio, a mulher a dias e o motorista, ou seja, sem trabalhadores e sem os meios que precisava para prestar os serviços. Tinha sim outras empresas que lhe prestavam serviços, as dos seus adjuntos. Assim, todos eram tributados apenas com o IRC e não com um IRS ainda mais pesado. A decisão do tribunal parece correta.
Fernando Santos jogou para ganhar, usou uma tática arrojada, mas a vantagem da AT por ter um ponta de lança chamado Cláusula Geral Anti Abuso levou a que mais uma vez vencesse com direito a golo. E pior, faltam ainda os campeonatos de 2019, 2020 e 2021, anos de possível goleada para a AT, já que a Femacosa terá recebido mais €20 M de honorários. Para o técnico a segunda mão do jogo fiscal ainda não começou e a AT, que tem uma decisão do tribunal favorável, já está em vantagem.