Rúben Amorim mostrou o mapa da mina
Rúben Amorim no jogo entre Sporting e o Sturm Graz. Imagem: EPA/GINTARE KARPAVICIUTE

Rúben Amorim mostrou o mapa da mina

No futebol português, há clubes com projetos desportivos, e outros que são placas giratórias de negócios. Os primeiros têm sucesso, os segundos, não…

Cada tempo tem o seu modo e, no futebol português, houve um tempo que tinha o modo baseado no postulado «o jogador é para jogar, o treinador é para treinar, e o dirigente é para decidir.»

Felizmente, por alteração de conjunturas e renovação de mentalidades, esse paradigma redutor, feito de uma estratificação maniqueísta, perdeu razão, se é que alguma vez a teve, e hoje, nos projetos de sucesso, a tomada de decisão surge depois de ouvidos os intervenientes e ponderados os argumentos, sem que para isso o jogador deixe de decidir no momento em que tem de escolher entre rematar à baliza ou assistir um companheiro, o treinador deixe de escolher o ‘onze’ e ser responsável pelas substituições, ou o dirigente deixe de ter a última palavra.

Não foi por acaso que, acima, falei em «projetos de sucesso», que inevitavelmente estão indexados a boas práticas, que visam o êxito desportivo e não têm por escopo manter o dinheiro a circular para potenciar as comissões.

Imagine-se um clube que se vê transformado numa placa giratória de transferências, e onde o treinador, ou aceita as regras do jogo – que passam por trabalhar com os jogadores que lhe colocam à disposição ao sabor das conveniências negociais, e não de um qualquer critério desportivo – ou é substituído por outro que coma e cale, para garantir, pelo menos, o salário no final do mês. Aí – e se procurarmos no nosso universo seguramente encontraremos exemplos que o ilustram, protagonizados por SAD’s com investidores maioritários predadores, que fazem aos clubes o que as pragas de gafanhotos fazem às colheitas – mais ano, menos ano, por não haver projeto desportivo e apenas ganância de forrar os bolsos tão depressa quanto possível, a queda nos infernos está garantida. Citando o grande Otávio Machado, «vocês sabem do que é que estou a falar…»

É neste contexto que ganham relevância as palavras de Rúben Amorim, que, laboriosa e coerentemente, foi capaz de construir aquela que, ao momento, é a melhor equipa de futebol em Portugal,  quando revelou, na passada sexta feira, na conferência de imprensa que antecedeu a viagem a Famalicão, que «ao contrário do que muitos pensam, não tenho autonomia para decidir tudo o que se passa aqui, mas sinto que sou ouvido em todas as decisões que envolvem a equipa principal.» Por não ser sensacionalista, não conter nem agressões aos rivais, nem acusações aos árbitros, o que Amorim disse passou quase despercebido, entre ‘soundbytes’ mais apelativos. Porém, para quem quiser descobrir as razões profundas do ressurgimento desportivo do futebol do Sporting, provavelmente estará aqui o mapa da mina.

Quando diz que é «ouvido em todas as decisões que envolvem a equipa principal», Rúben Amorim está a afirmar que todas elas têm um nexo desportivo, e uma orientação no sentido da evolução da equipa. E também que os transvases comunicacionais dentro do clube fluem com eficácia. Parece simples? Claro que sim. Mas este tipo de simplicidade só é possível se ninguém for a jogo com cartas na manga…