Futebol é uma coisa deliciosa. Tem uma pitadinha de racionalidade e um camião TIR de emotividade. Ruben Amorim era, há mês e meio, a última Coca-cola no deserto de Saara: campeão nacional, líder incontestado da Liga, esmagamento atrás de esmagamento, até de Guardiola. De repente, em apenas nove jogos no Manchester United (4 vitórias, 4 derrotas e 1 empate), sobretudo quando comparado com os primeiros nove jogos de Ten Hag nos red devils (5 vitórias, 4 derrotas), começa a ser visto como a penúltima trinaranjus da Costa de Caparica. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, meus caros. Talvez Ruben Amorim seja apenas, para já, uma mistura de cerveja com gasosa, espécie de panaché vendido nas roulottes de Old Trafford. Nada comparável com Pep Guardiola. O espanhol não era, a 29 de outubro, a última Coca-cola no deserto do Saara porque esse cognome pertencia, então, a Ruben Amorim. Pep era a melhor garrafa de Drappier Champagne Carte d’Or Extra-Brut (sim, pesquisei) acompanhada por meia dúzia de Huîtres Amélie e, por fim, um Cohiba Behike 52 (voltei a pesquisar). Porém, apenas 53 dias depois e por entre 9 derrotas, 2 empates e 1 vitória nos últimos 12 jogos e sofrendo nada menos de 28 golos em diferentes competições, olhamos para ele e não vemos Guardiola. Vemos apenas a sua sombra: Josep Sala, um senhor catalão de meia idade que vive dos rendimentos no frio de Manchester. Já não bebe Drappier, já não come Amélie (salvo seja) e já não fuma cohiba. Antes parece transformado naquele licor esverdeado com uma cobra dentro que se vende nas lojas do El Corte Inglés, acompanhado por um courato bem gordinho e fumarento e, no fim, um SG Ventil. João Pereira é diferente. É o homem que substituiu a última coca-cola no deserto do Saara, espécie de Víctor Fernández (o homem que substituiu José Mourinho no FC Porto) do Sporting. João Pereira é uma coca-cola zero colocada na mesma prateleira de bebidas descafeinadas, bolinhos sem açúcar e cervejas sem álcool. Para acompanhar uma pescada com batatas e grelos, tudo cozidinho e sem sal, após uma canjinha sem grandes temperos. Depois, a finalizar, um daqueles cigarritos electrónicos que (presumo eu) devem saber tão bem como chá frio de camomila. Ou kombucha. Hansi Flick é, como Ruben Amorim, a última coca-cola do deserto do Saara que passou a panaché de roulotte das imediações de Camp Nou. Só que não precisou de mudar de clube. Fez tudo no Barcelona: DEDVEDD nos últimos sete jogos da La Liga depois de VVVVVVVDVVVV nos primeiros 12. Enquanto isso, em Madrid, um argentino lidera o campeonato. Carrascão de Buenos Aires acompanhado por empanadas, parrilladas e milanesas. Por fim, um mate digestivo. Pode não ser cuisine française, mas corta a fome durante horas a fio. É por isso que o futebol é delicioso e, por vezes, parece uma Amélie misturada com a cobra do El Corte Inglés e acompanhada por trinaranjus da Costa de Caparica e canjinha sem tempero.