Reversão de penálti e ausência de VAR
'O poder da palavra' é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, antigo árbitro
Miguel Fonseca, que dirigiu o Vitória de Guimarães-União de Leiria referente à 4.ª eliminatória da Taça de Portugal, protagonizou episódio raro no passado sábado, quando decidiu prestar declarações a uma jornalista do Canal 11 sobre decisão tomada no decurso do jogo.
O jovem árbitro de 28 anos surgiu na flash interview calmo e descomplexado, para explicar lance ocorrido aos 78', que o levou a anular um pontapé de penálti (assinalado por si), a punir pretensa infração de Borevkovic sobre Victor Rofino.
O que tornou o momento diferente foi o facto da reversão ter acontecido sem recurso às imagens facultadas pelo VAR. É que a videotecnologia não está disponível nesta fase da prova.
Miguel Fonseca, que obviamente tomou a decisão inicial em consciência, optou por alterar o veredito depois de comunicar com os colegas de campo que lhe terão indicado a existência de erro. O processo acabou por prolongar-se por alguns minutos, não obstante a funcionalidade do sistema de comunicação e a proximidade física entre todos. Isso ter-se-á devido ao ruído exterior e à contestação de alguns jogadores vimaranenses.
Compreende-se a estupefação generalizada que a situação originou ou não estivéssemos a falar de três momentos que muito dificilmente se repetirão nos próximos tempos: a anulação de uma decisão relevante sem intervenção do videoárbitro; e a disponibilidade pessoal e oficial para se falar publicamente sobre o sucedido.
O que aconteceu em Guimarães merece reflexão atenta a vários níveis. Por agora, parece-me preferível sublinhar os factos que dali emergiram como mais relevantes: a coragem e humildade de Miguel Fonseca em assumir o erro — sim, o pontapé de penálti foi mal assinalado —, alterando a decisão após indicação da equipa; e a reposição da verdade desportiva, que impediu o irregular benefício de uma equipa em detrimento de outra.
A importância da videoarbitragem no apoio à decisão devia ser por esta altura um não assunto, tal a evidência recorrente e factual da sua utilidade ao serviço do jogo. Compreendo quem ainda defende a beleza do espetáculo pela via das emoções e entusiasmos, mas o romantismo da visão colide de frente com a realidade que carateriza o futebol profissional de hoje. É que aí as consequências de boas ou más decisões são muitas vezes maiores do que vitória ou derrota, impactando clubes e SAD's a vários níveis: na associação ou desvinculação de parcerias e patrocinadores, na renovações e rescisão de contratos com atletas e equipas técnicas, no retorno financeiro via transmissões televisivas ou bilhética, na projeção internacional de marca, na continuidade ou desistência de objetivos e projetos, etc, etc.
E a verdade é que, em quase todas as jornadas, há lances corrigidos em sala com impacto nos resultado, na justiça do vencedor ou na verdade das competições. Isso significa que o VAR, com todas as arestas por limar e imperfeições por corrigir, salvou e continuará a salvar o futebol muitas e muitas vezes.
Quer parecer-me que a qualidade de uma ferramenta assim não pode ser desvalorizada. Goste-se ou não, a indústria evoluiu, acompanhando as tendências destes tempos. É por isso fundamental que continue a usufruir de meios que a tornem mais justa, sem beliscar a sua essência, imprevisibilidade e espetacularidade. E é precisamente aí que mora o grande desafio de quem comanda a máquina.
Até lá, a questão de fundo mantém-se inalterável: preferimos um jogo cheio de emoção, falatório e controvérsia constante que algumas decisões espoletam ou um que se aproxime mais de resultados justos, pela via das (boas) decisões tomadas finais?