Projeto desportivo: vai ser bom, não foi?
Diretor executivo de outros desportos do Al Ittihad, Rui Lança escreve na Tribuna Livre, um espaço de opinião de A BOLA aberto ao exterior
Não há propriamente uma fronteira 100 por cento objetiva para definir quando é que são projetos desportivos ou quando não o são. Alguns indicadores e factos ajudam-nos a perceber quando são mais robustos, sustentáveis ou têm uma continuidade e uma linha de pensamento, um propósito e uma estratégia. E do outro lado da moeda, algumas decisões e ações que nos remetem para a inexistência disso tudo.
Em Portugal é normal discutir-se o projeto desportivo ou a falta do mesmo. Não apenas por isso, mas também porque muitas vezes, logo a partir da 1.ª jornada, observamos o despedimento de treinadores em massa. Não que o despedimento pontual de um treinador revele que o projeto não existe ou é mau, até pode indicar simplesmente que esse recrutamento não foi eficiente, correu apenas mal, não existiu o tal match que se desejava e não é por isso que o projeto deixa de cumprir os requisitos todos, podendo ser apenas um episódio de exceção.
Convém relembrar que na análise dos projetos de um clube há dimensões como a cultura organizacional, o perfil de pessoas que coabitam dentro da organização e que atrai ou repele um conjunto de pessoas que são competentes ou incompetentes. Existem os objetivos e o propósito do clube e há ainda que contar com o contexto em redor. São muitas dimensões, umas que controlamos e outras que não dependem de nós. E claro está, o fator diferenciador que continuam a ser as pessoas, os profissionais e dirigentes que reúnem um conjunto de competências técnicas, experiência, capacidade de liderar para construir e não destruir, visão, um propósito agregador e valores humanos.
No entanto, quando assistimos a tantos despedimentos, a mudanças de sentido e ziguezagues constantes, há algo que não bate certo. Os treinadores em Portugal torna(ra)m-se numa presa demasiado fácil para quem toma decisões, porque não existindo estratégias, recursos para os objetivos que os dirigentes apontam como possíveis de conseguir, o treinador é o mais fácil e barato de descartar. Tal como se dizia na história da Alice no País das Maravilhas, se não sabes para onde queres ir, qualquer caminho está certo, e neste caso, não estão todos certos, mas quase todos mal.
E isto é apenas um exemplo, pois, infelizmente, existem muitos mais. E no final perdemos todos, muito mais do que apenas o tal clube e o treinador que sai. Porque quem entra — e nas costas dos outros vemos as nossas, diz o bom provérbio português — sabe que não tem tempo e que a sua avaliação resvala para outras dimensões do que apenas a meritocracia. E no final da cadeia alimentar, o desporto sai lesado porque atrai quem não precisa e repele quem poderia acrescentar.
Por isso mesmo, direi que o problema é mais profundo. Vem da liderança dos tais projetos desportivos. Que pedem o céu, quando só têm recursos para ir até ao 1.º andar. Que pedem exigência quando no dia-a-dia são incoerentes entre o que exigem e o modo como atuam. Falta experiência. Falta observar o que se faz de melhor e de pior. Adaptar à nossa realidade. E como já diziam os japoneses, copiar melhor é inovar. Perceber de uma vez por todas, por exemplo, que quem mais troca de treinador são as equipas que acabam por descer. E que Portugal já vai destacado nesse indicador. Aliás, há uma ou duas semanas, Portugal tinha mais despedimentos do que as cinco ligas top de futebol juntas, mas isso devem ser coincidências na cabeça de alguns.
Por isso, para termos projetos dignos desse nome e mais robustos — e vão existir sempre clubes dececionados entre os que definiram como objetivos e o que se conseguiu, até porque no desporto, e há pessoas que se esquecem desse pequeno detalhe, só costuma vencer um — é necessário os clubes e as federações apostarem mais na criação de estruturas com condições. E depois podemos pensar em voos maiores. O inverso acontece como exceção e não como regra, e para isso são necessárias também competências e não apenas recursos. Isto é assim em qualquer país e não são caraterísticas de clubes X ou Y, de culturas A ou B.
Até isto acontecer, ainda vamos passar por tempos complicados e complexos, porque no desporto, seja ele de alta competição ou não, vive-se muito mais próximo da suposta inglória do que a glória, dado que no desporto são muito menos aqueles que vencem do que os que ficam à porta da vitória. Há que estar mentalizado que a posição em si nos aproxima constantemente, claro que depende do clube em que se trabalha, para uma possibilidade de não vencermos e há que estar preparado para isso e encarar como oportunidade de aprendizagem e não de fuga até ao próximo momento da fotografia dos vencedores. Controlar e tornar robusto o que depende de nós.
Para terminar, há quem diga que de boas intenções está o inferno cheio. E eu diria que o desporto tem o condão de atrair mais pessoas para as fotografias das vitórias e de poucas pessoas que aparecem nos momentos de desilusão. É assim, as vitórias sempre tiveram muitas mais mães e pais do que as derrotas. Enquanto for assim, vamos estar mais longe do que se pretende. Se é que realmente se pretende.