Roberto Martínez, selecionador de Portugal, com 'cara de poucos amigos' após a derrota (0-1) de quinta-feira em Copenhaga frente à Dinamarca na primeira mão dos quartos de final da Liga das Nações
Roberto Martínez com 'cara de poucos amigos' após a derrota (0-1) de Portugal em Copenhaga frente à Dinamarca
Foto: IMAGO

Até amanhã, Roberto?

OPINIÃO22.03.202510:25

Livre e Direto é o espaço de opinião semanal de Rui Almeida, jornalista

Ponto prévio: não há segredos no modo como as equipas de clube ou as seleções nacionais se apresentam. Tudo se sabe, tudo se conhece, os planeamentos estratégicos resultam de observações de pormenor, de rigor e com caráter científico.

Sobretudo as representações nacionais — cujo calendário é muito mais espaçado e, nos prós e nos contras da atividade de selecionador, permitem uma respiração e uma profundidade bem maiores no tratamento da informação, embora tudo resulte numa aplicação cirúrgica de microciclos mesmo micro de estágios e treinos — refletem a notoriedade e o talento de gerações, sempre alicerçados em grande capacidade de motivação, de agregação, de renovação, de transmissão de mística e de encontro de interesses e paixões, muito para lá do retângulo, bem para lá do jogo.

Esta osmose, que em Portugal tem, seguramente, um expoente provocado, desde o início do século XXI, pelo maior nível organizativo, pelo apelo ao público para «vestir uma camisola» que também (ou essencialmente…) é sua, e pelo surgimento de algumas referências incontornáveis no planeta futebol (de que Cristiano Ronaldo é o maior exemplo, embora não o único), é uma osmose cujo retorno se serve com magia, com envolvimento, com compromisso, com intensidade. Em suma, com a demonstração exigível de qualidade que jogadores profissionais de topo, engajados em clubes onde o grau permanente de foco e de desafio faz deles dos profissionais mais expostos, responsáveis e requisitados.

A Portuguesa ecoou nos céus de Copenhaga
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Do ponto prévio passámos já, evidentemente, ao essencial: a exibição da Seleção de Portugal, anteontem, em Copenhaga, foi pungente, insuficiente, sôfrega e quase a cortar o tal cordão umbilical com adeptos que nela se revêem, justamente, como exemplo permanente de representação e superação.

Muito pior do que o resultado negativo (pela contingência da competição ele é absolutamente reversível amanhã, no estádio José Alvalade), foi a sensação passada, a imagem deixada e a desfaçatez revelada.

A sensação passada de impotência e impreparação perante uma equipa que, naturalmente, fez pela vida (e muito bem!), mas não apresentou em campo nenhuma surpresa, nem ao nível tático, nem no nome dos protagonistas no relvado. Quer dizer, a Dinamarca foi o que é sempre: aguerrida, vertical, física, determinada e empolgada.

Foi uma equipa a fazer do 12.º jogador uma arma fundamental, criando um clima excelente para quem gosta de futebol mas que não foi, em nada, surpreendente. A formação nórdica jogou como gosta de fazer, à vontade, pressionante, a responder bem aos apelos do jogo e a contornar melhor as dificuldades colocadas pela equipa adversária.

Pela frente encontrou um grupo de aristocratas da bola. Gente muito bem paga, com a vida feita muito para além do tempo útil nos relvados, e que jamais pareceu estar concentrada, focada, motivada como uma representação portuguesa tem de estar. O pior da mentalidade lusa («como há segundo jogo, vamos lá tentar controlar danos e esperar que tudo se resolva no nosso cantinho») surgiu em pleno no relvado de Copenhaga.

E é este o dado inadmissível da questão, ademais porque não é a primeira vez, no consulado de Roberto Martínez, que tal sucede. Com rigidez tática, com opções a montante e durante o jogo muito discutíveis, com a manutenção teimosa e quase inqualificável de Cristiano Ronaldo, aos 40 anos, como titular durante 90 minutos.

Portugal foi derrotado pelos dinamarqueses, num jogo em que foi amplamente dominado
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A geração maravilhosa de jogadores que se assumem como determinantes nos seus clubes, ao longo de onze meses por ano, corre o sério risco de passar ao lado de conquistas importantes com a camisola portuguesa, mas, acima de tudo, parece toldada por uma espécie de alergia de grupo que, necessariamente, terá de ser objeto de análise, independentemente da conquista do principal objetivo desta fase competitiva (o apuramento para as meias-finais da Liga das Nações).

Há uma espécie de montanha russa nos desafios colocados às seleções mais cotadas. Por um lado, fases de qualificação muito facilitadas para Europeus e Mundiais. Aliás, com o aumento do número de seleções finalistas em 2026 (embora a Europa seja o continente que menos lucra, passando de 13 para 16 equipas qualificadas), essa facilidade ainda mais se acentuará.

Curiosamente, é na Liga das Nações (pelo sistema de disputa da prova, nivelado por escalões de mérito) que o equilíbrio é mais patente e que o desafio é mais equilibrado.

Compete, em face dos momentos em que as representações nacionais estão reunidas ao longo de um ano desportivo, aos responsáveis técnicos aproveitar o que de melhor tem cada país, o que melhor pode oferecer cada jogador, independentemente do clube de origem, do seu peso institucional, do seu empresário ou das receitas de publicidade que gere. Não é do foro de um selecionador profissional a proteção a este ou aquele jogador.

Lembro-me do tempo em que, para o treinador nacional, era inconcebível convocar para os trabalhos da equipa das Quinas alguém que não fosse titular no seu clube, sob a velha questão: «Se não tem qualidade para se impor semanalmente no clube, como é que vai jogar na seleção?»…

Divagações de memória à parte, concluamos o raciocínio: nenhum português que goste do jogo e o veja com alguma equidistância e equilíbrio se pode sentir satisfeito com a (in)capacidade da representação nacional na Dinamarca.

E muito menos se pode sentir seguro ao perceber, ao longo de vários desafios e convocatórias, as tibiezas e explicações pouco convincentes do seu máximo responsável.

Cartão branco

Escreveu-se uma página inédita e extraordinária na história do desporto esta semana. A eleição de Kirsty Coventry para a Presidência do Comité Olímpico Internacional é muito mais do que a simples legitimação de uma candidata. Porque é a primeira mulher a assumir o cargo, e porque é a primeira africana em tais responsabilidades, Coventry entrou para a história, e promete democratizar e humanizar o movimento olímpico nos próximos quatro anos de mandato. A atual Ministra da Juventude, Desporto e Cultura do Governo do Zimbabwe foi recordista olímpica de natação e é a mais medalhada desportista do continente africano. Talvez não imaginem a importância desta eleição (com início do mandato a 24 de junho), mas a sua verdadeira dimensão virá com o tempo e com a História. Alguma coisa está a mudar no movimento olímpico, que vê em Kirsty o farol inclusivo, agregador e distintivo da honorabilidade e da ética do olimpismo mundial.