Porque deve Bruno de Carvalho ser expulso?

OPINIÃO04.07.201904:00

HÁ um verdadeiro fantasma que assombra o Sporting, o seu estádio, as suas Assembleias Gerais. Esse fantasma é o de um homem que tem uma conceção pessoal, egocêntrica, indecente do poder, mas que arrasta consigo uma minoria de sportinguistas e de outros que serão mais arruaceiros do que sportinguistas. Chama-se Bruno de Carvalho e começou por parecer um adepto fervoroso e com vontade de mudar o clube para melhor. Porém, à medida que o tempo passava, foi-se revelando o que é, tem sido e - tudo o indica - continuará a ser: uma pessoa possuída por uma ambição desmedida e uma conceção ditatorial de poder.


Por isso é essencial fechar-lhe definitivamente as portas do nosso clube. Tarefa que cabe aos sócios que, aliás, têm demonstrado uma solidez inabalável na compreensão deste problema: 71% dos votos destituíram-no de sócio; 69% aprovaram a sua suspensão. Sábado que vem estou convicto de que uma maioria também muito significativa ditará a sua expulsão.


Não se trata de vingança, mas de sensatez; não é condenar ninguém a nada, mas apenas uma associação de pessoas livres dizer quem quer e não quer ter como sócios; não se trata de apontar o caminho da penúria, de que o próprio agora se queixa, porque se pressupõe que um dirigente do Sporting tem a sua profissão, ou seja, não tem por profissão ser dirigente do Sporting Clube de Portugal.

Factos concretos

FALO por mim que, apesar de nunca ter votado em Bruno de Carvalho e de sempre ter desconfiado de algumas das suas atitudes, dei-lhe o benefício da dúvida. Até que houve uma Assembleia Geral em 17 de fevereiro de 2018 onde, como presidente, assegurou que não havia grupos nem grupinhos no clube. O problema é que, pelo meio, atacou vários sportinguistas e aconselhou todos os sócios a não lerem jornais, e outros disparates do género. Penso que foi nesta altura que começou a generalizar-se a desconfiança.
Depois, a 6 de abril, o Sporting perdeu 2-0 em Madrid com o Atlético (que ganharia esse ano a Li

ga Europa) e o presidente pura e simplesmente descompôs a equipa. Fez pior, ameaçou e desprestigiou os profissionais de futebol; dias depois, a 9 de abril, no final de um jogo que vencemos 2-0 ao Paços de Ferreira, Bruno de Carvalho foi assobiado em Alvalade por uma maioria de sócios presentes, que pediu a sua demissão. Entretanto, a 13 de abril, ganhámos em Alvalade 1-0 ao Atlético de Madrid, resultado que foi insuficiente; dia 16, em Belém, vencemos por 4-3 o Belenenses; dia 23, no Bessa fizemos 1-0 contra o Boavista e a 29 do mesmo mês 2-1 em Portimão.
Sem qualquer humildade, cheio de si mesmo, Bruno ensaiou uma fuga para a frente, quis mostrar que tinha os adeptos na mão. Assim, no jogo contra o Benfica (0-0), a 6 de maio, em Alvalade, ainda antes de começar a partida, caíram tochas acesas lançadas por membros de uma claque sobre a zona do nosso guarda-redes, e figura exemplar, Rui Patrício. Uma semana depois, no regresso de um jogo do Marítimo em que perdemos 2-1 e a possibilidade de ir às pré-eliminatórias da Liga dos Campeões, jogadores foram insultados e Acuña interpelado pela guarda presidencial que Bruno mantinha entre as claques. Não se ouviu qualquer condenação. Até que, na semana que antecedia uma das mais simples finais da Taça, contra o Desportivo das Aves, se dá, a 15 de maio, o ataque a Alcochete. A reação do presidente do SCP foi «é chato». No dia seguinte, usando pela primeira vez a minha condição de sócio, apelei nas páginas de Desporto online (‘Tribuna’) do Expresso a que os sportinguistas decentes tratassem de ter um novo presidente. Aquele já não era o meu clube, o clube de que era sócio antes de Bruno nascer. Era apenas mais uma voz entre as muitas que se ouviam.


A final, depois do ataque, sem treinos, com os jogadores desesperados foi um dó de alma. Perdemos. Os profissionais começaram a rescindir os seus contratos unilateralmente. O Sporting ficava sem Patrício, William, Bruno Fernandes, Gelson, Bas Dost e muitos outros estavam de saída, como Mathieu, Coates, Acuña, etc.


Demitiram-se dos seus cargos quase todos os membros dos corpos sociais. O Conselho Fiscal e Disciplinar caiu; a Mesa da Assembleia Geral cortou com Bruno de Carvalho; vários elementos da sua Comissão Diretiva demitiram-se, ficando apenas aqueles necessários para que houvesse quórum. Mesmo assim, sabe-se hoje, várias decisões polémicas foram tomadas sem o número de membros que os Estatutos exigem.
Perante isto, o presidente da MAG (que, demitido ou não, sê-lo-ia sempre, pelos Estatutos, até ao final de junho de 2018) fez o que manda a lei interna do Sporting. Nomeou uma Comissão de Fiscalização (à qual tive a honra de presidir), composta por cinco sócios com antiguidade necessária e suficiente. Dos restantes quatro, pessoalmente apenas já conhecia o prof. João Duque por razões profissionais. Todos os outros membros travaram, penso, conhecimento na própria comissão.

As razões da suspensão

Perante o cumprimento dos Estatutos, Bruno de Carvalho recusou uma realidade que não lhe era favorável: decretou, ilegalmente, que o presidente da MAG, Marta Soares, estava demitido (como se pudesse demitir o presidente da Mesa); chamou à Comissão de Fiscalização (cuja legalidade estatutária foi sempre inquestionável) «putativa Comissão» (chamou-me a mim, a Torres Pereira, a Marta Soares e a mais sócios «terroristas»), impediu-nos de entrar nas instalações e - cúmulo da loucura que ataca os que não têm estrutura para ter poder - nomeou ele próprio uma Mesa da Assembleia Geral e uma Comissão de Fiscalização. Ou seja, o Sporting ficaria, por sua vontade, inteiramente na sua dependência, entregue a pessoas que tinham por missão fiscalizar os atos da sua CD nomeadas por ele próprio; elementos que, na altura de serem nomeados, não tinham as quotas em dia, ou nem as pagavam há anos.


O presidente da MAG, Marta Soares, de acordo com os poderes do cargo, convocou uma Assembleia Geral para dia 23 de junho a fim de considerar a demissão do que restava do Conselho Diretivo. Isto depois de Bruno se recusar demitir-se e convocar eleições. O antigo presidente fez tudo para boicotar tal AG; mandou convocar outras AG que todos os tribunais e juristas consideraram ilegais e manteve a proibição da Comissão de Fiscalização de entrar em Alvalade.


Perante estes atropelos aos Estatutos - e nada a ver com contas, resultados ou atentados - a Comissão de Fiscalização suspendeu-o. Dias depois, a AG de 23/6 destituiu-o por 71%. Perante este resultado, que ele sabe ser genuíno, mas que apelida agora de golpe, Bruno de Carvalho disse que nunca mais seria do Sporting. Porém, parte do pior estava para vir. Desde um papel falso em que dizia ter ordens do tribunal para assumir de novo a presidência (entretanto nas mãos de uma Comissão de Gestão presidida por Artur Torres Pereira, com Sousa Cintra e Luís Marques na SAD), o que veio a ser desmacarado, até ir aos bancos relacionados com o Sporting na companhia do seu parente e membro da ex-CD, Alexandre Godinho, tentar bloquear as contas do clube nas vésperas do pagamento de salários, tudo tentou desesperadamente, incluindo providências frustradas em tribunal, para que não houvesse eleições a 8 de setembro, como tinham sido marcadas. Curiosamente, essas eleições foram as mais participadas de sempre e delas saiu vencedor o atual presidente Frederico Varandas.


Perante estes atos gravosos de Bruno de Carvalho (que na última fase foram apenas acompanhados por Alexandre Godinho) a Comissão de Fiscalização, reafirmando a suspensão que já fora decidida, recomendou (antes das eleições, e antes de saber quem seria a CFD) a expulsão destes dois seres prejudiciais ao clube. Na reunião de passagem de pastas, já com o Juiz-Conselheiro Baltazar Pinto eleito presidente da Comissão Fiscal e Disciplinar, voltei a recomendar o mesmo, embora dizendo que respeitaria qualquer decisão que a Comissão tomasse. Foi com sentimento de justiça que verifiquei que o entendimento de ilustres juízes e juristas era semelhante ao da nossa comissão, que além de um jornalista era composto por um sociólogo (Luís Sousa), um economista (João Duque) e dois advogados (Rita Garcia Pereira e Paulo Santos).
Contei a história tal como se passou. Sei que parece inverosímil a persistência e caminho autodestrutivo da personagem, acaso não tenham lido a entrevista que deu ao Expresso (cujo contraditório foi bastante fraco) e, sobretudo, não saibam da atitude da minoria dos seus apoiantes na AG de sábado passado.
Foi assim que aconteceu. Não foi a queda de um anjo, ou de um ingénuo. Não foi a vingança sobre quem quis democratizar um clube ou torná-lo mais popular. Foi a reação - e vai ser, estou certo - a quem quis mudar a natureza do Sporting.
É que, como escrevi algumas vezes, o Sporting não deve querer ser igual aos outros. O Sporting deve pugnar para que os outros sejam como nós: lutadores com esforço, dedicação e devoção, tentando, com todo o fair-play, chegar à glória. Esta época foi um primeiro pequeno passo. Mas todas as grandes caminhadas começam com um pequeno passo.