«Pinto da Costa: quero ver alguém fazer igual»
'Direito ao golo' é o espaço de opinião quinzenal de João Caiado Guerreiro, jurista
«Agora quero ver alguém fazer igual», a piada de Ricardo Galvão, em A BOLA, resume tudo sobre Pinto da Costa. Ninguém vai fazer igual, talvez nem parecido, esperemos para ver. Ganhar sete títulos internacionais num clube que, quando foi eleito presidente em 1982, ganhava um título nacional de vez em quando é obra. Mais, transformou o clube numa máquina de vencer títulos nacionais também.
Em suma, Pinto da Costa refundou o FC Porto num clube nacional — e não só da região do Porto — e europeu. Penso que sempre será reconhecido pelos adeptos e que os adversários nunca o esquecerão. Tornou-se o presidente dos presidentes de forma bairrista, polémica e musculada. Se pensarmos com frieza, o bairrismo aceita-se, basta ver que o dito é, também, a base dos clubes da Premier League. Quanto à polémica todos percebemos que o ex-presidente dos azuis gostava de agitar as águas, qual tornado, com verbo fácil e gatilho rápido. E sabia provocar como ninguém.
A parte musculada, talvez mais difícil de desculpar pelos adeptos dos outros clubes, foi crescendo com as vitórias e com o argumento de que outros também o faziam, cá e na Europa, quer com árbitros, adversários ou instituições. Basta ver o que andou a fazer o Barcelona, que pagou sete milhões a um vice-presidente da arbitragem espanhola, e nada lhe aconteceu, pelo menos ainda. As cumplicidades regionais são fortes em Portugal e a UEFA e FIFA são premiáveis. Pinto da Costa sabia-o, e usou tudo ao seu alcance para o seu FC Porto vencer.
Muito do músculo foi conhecido com as escutas do Apito Dourado, o nome, sempre inspirado, que a polícia judiciária deu à sua investigação. Mas como outras provas, estas também não deram em nada, nem nenhuma vai dar. «A responsabilidade criminal extingue-se pela morte (…)», art.º 127, do Código Penal.
Além disso as escutas eram ilegais. Há um procedimento legal para que as escutas sejam válidas: art.º 187 do Código Penal «(…) a gravação de comunicações telefónicas (…) só pode ser autorizadas durante o inquérito se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade (…) por despacho fundamentado do juiz (…)». Acresce que só podem ser autorizadas relativamente a certos crimes. Isso não aconteceu e, por isso, «são nulas (…) as provas obtidas mediante intromissão na vida privada (…)».
Muitos dirão que é uma tremenda injustiça perante tudo o que se ouviu nessas escutas. Outros dirão que o FC Porto só venceu devido a ilícitos e com isso ficou mais forte financeiramente, o que possibilitou formar grandes equipas para continuar a vencer. Outros defenderão que foi o melhor presidente de sempre. Todos dirão o que quiserem, mas termino como comecei: «Agora quero ver alguém fazer igual.»
O Direito ao Golo vai, pela última vez, para Jorge Nuno Pinto da Costa. Também para o ciclismo nacional: António Morgado ganhou a Clássica da Figueira e Iúri Leitão ganhou duas medalhas de ouro nos Europeus de ciclismo. E para Fernando Gomes, que fez um trabalho extraordinário como presidente da FPF.
Mas o jornal A Bola não tem vergonha de publicar isto? Agora crime e corrupção sáo "músculo"? Haver outro igual? Espero que a nossa sociedade veja criminosos como criminosos e não como "musculados" e que haja em conformidade sempre que eles quiserem "voltar a fazer igual". Curiosamente é dado um exemplo do Barcelona mas da Juventus nada é dito. E então o Boavista? E o processo Apito Final (avaliado por um juíz do tribunal de Guimarães com ligações ao FC Porto!)? Fazer igual? Não podemos permitir. E o jornal A Bola também faria muito bem em não fazer desculpabilização de criminosos. É muito grave.