Os sonhos impossíveis à hora de estar na cama

OPINIÃO25.07.201901:54

Nunca tive o hábito de grandes noitadas. As pálpebras começam-me cedo a pesar e, com o passar dos anos, cada vez mais cedo. Esperar pelo Sporting que à uma da manhã deve ter defrontado o Liverpool jamais esteve nos meus planos. Por não ter visto posso sonhar à vontade… com uma vitória sportinguista num jogo bem disputado. Uma coisa para nos dar ânimo contra o Valência, no troféu dos Cinco Violinos, já no domingo em Alvalade, e - claro que o mais importante - contra o Benfica na Supertaça, dia 4 de agosto.
Sonhar é ótimo. Por exemplo, depois de há quase 30 anos termos ganho dois Campeonatos do Mundo com jovens sub-20 (1989 e 1991) passámos a encarar com naturalidade fazer boa figura em campeonatos jovens. Ontem mesmo, na meia-final dos Europeus de sub-19, despachámos a Irlanda por 4-0 (hat trick de Gonçalo Ramos) e parecemos capazes de vencer a prova e sermos bicampeões, na final que se disputa sábado contra a Espanha. De qualquer modo, o segundo lugar está assegurado.
Mas aqui sabemos com quem contamos. Desde o magnífico guarda-redes Celton Biai ao autor dos três golos contra a Irlanda. Já no Sporting temos a shakespeariana questão do vai ou não vai? que em termos de ontologia sportinguista pode significar ser ou não ser candidato ao título. Refiro-me, como é óbvio, ao melhor jogador do campeonato português, Bruno Fernandes, cujo destino é, ainda incerto. Sublinho que as declarações do próprio, bem como as do presidente do Sporting têm sido bastante corretas e alinhadas, mas continuo a dizer que a novela vai longa. Embora perceba que jogar a Supertaça quase exige que qualquer saída se faça a 5 de agosto, de preferência com um hat trick e uma taça no museu.
Como eu percebo perfeitamente o treinador Marcel Keizer quando diz que, por ele, as transferências já podiam ter acabado. É óbvio que qualquer sportinguista quer Bruno Fernandes esta época, mas infelizmente, e mesmo não sendo óbvio para alguns, o jogador tem esperanças legítimas de subir um ou dois escalões no grau de visibilidade do mundo do futebol e ganhar mais, ao mesmo tempo que o Sporting necessita do dinheiro que pode ganhar com a venda do jogador. E aqui entramos num círculo vicioso - com jogadores melhores poderíamos ir mais longe e fazer mais dinheiro. Mas como fazer dinheiro sem vender as joias da coroa?

Transfiram lá isso

Há um lado das transferências de jogadores que me deixa um pouco incomodado. Fala-se de pessoas como se de mercadorias se tratasse. Nesta matéria, nenhum clube em nenhuma parte do mundo se pode orgulhar do que for ou rir-se de quem for. O Sporting tem a novela Bruno Fernandes (será que esta madrugada…???); o Benfica e o Porto estão com novelas à volta dos guarda-redes. A mercadoria (desculpem-me a expressão) chega estragada e volta para trás; outra só é vendida por determinado preço. Não me interpretem mal. Compreendo perfeitamente que é este o mundo do futebol, mas estou em crer que as coisas só seriam verdadeiramente limpas se o emprego de jogador - como o de outros artistas - não tivesse as barreiras e os agentes envolvidos que tem. Na verdade, se todo o mérito puder estar confinado a uns poucos clubes, a competição acaba.
De tudo o que vejo, ouço e sei, só uma coisa me parece lógica - e dessa falou o presidente do Sporting há uns tempos, aquando do estágio na Suíça, com o presidente da FIFA, Gianni Infantino: os clubes que formam os jogadores têm de ser mais protegidos dos tubarões. E isto interessa a Portugal e à maioria dos seus clubes. Porque formam e não são tubarões a nível mundial.
Depois, todas as normas de fair play não chegam para que não se veja o que já sabemos. Talvez por isso as competições entre países se estejam a tornar mais abertas, ao passo que as entre clubes (que são verdadeiramente as que dão dinheiro, e muito, a ganhar) se estejam a confinar a uma dúzia de equipas de sobretudo quatro países (Espanha, Inglaterra, Itália e Alemanha) com a França a espreitar. E destes, Espanha e Inglaterra dominam completamente.

Claques com regras

O diploma aprovado no Parlamento sobre as claques (e que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tem em cima da mesa para promulgar) é bastante controverso. Se, por um lado, se saúda o desejo de regular aquilo que tem sido uma espécie de cancro nos estádios de futebol, com episódios de violência e destruição, por outro está-se a adaptar os estádios e as audiências às claques e não o contrário: a fazer com que as claques tenham um comportamento normal de espetadores que gostam de futebol.
A ideia de tirar as cadeiras dos lugares das claques, embora compreensível, é uma dessas adaptações. Como o facto de se permitir a entrada de faixas, tambores, buzinas e artefactos que nada contribuem para o jogo. A vantagem de uma identificação própria para os membros dos Grupos Organizados de Adeptos (GOA, como eufemisticamente se chama aos autênticos bandos em que se tornaram as claques), embora compreensível, levanta algumas questões.
Foi a essas questões que o Benfica se agarrou. De forma perfeitamente cínica, porque o clube da Luz diz não ter claques, põe em causa esta obrigação de os grupos terem de ser organizados e os seus membros identificados como a eles pertencentes. Percebe-se a argumentação benfiquista, que clama ser inconstitucional (fizeram um apelo a Marcelo). Na verdade, ninguém pode ser obrigado a filiar-se num grupo. Mas a resposta é que se o Benfica não tem claques o Pai Natal existe. E, se as tem, ninguém obriga aqueles que não querem fazer coro com os No Name Boys, ou outros, a ser filiados na claque. Nesse caso, o Benfica deve proibir em todo o Estádio as faixas, as cornetas, os tambores e as buzinas. Quando fizer isso, dar-lhe-ei razão. Enquanto fizer o mesmo que os outros, apenas não admitindo que, como os outros, têm claques, estão a fazer de nós tolos.