Os comentadores-adeptos
'O poder da palavra' é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, antigo árbitro
As arbitragens dos três jogos da final four da Taça da Liga foram globalmente positivas. Não foram perfeitas, não acertaram sempre, não foram infalíveis, mas de um modo geral não comprometeram.
Uma das evidências que me leva a esta conclusão é a ausência de ruído pós-jogo. Apesar da importância do que estava em causa, não houve declarações polémicas por parte de dirigentes, treinadores ou jogadores. No fundo, por parte dos mais interessados na matéria. Ninguém questionou publicamente a justiça dos resultados. Isso é bom sinal, não é?
Também a imprensa desportiva, através dos seus jornalistas e comentadores especializados, não teceu críticas relevantes em relação ao trabalho dos árbitros. Nenhum órgão de comunicação social falou em erros graves, lances mal avaliados ou decisões lesa-resultado.
As únicas vozes que fizeram questão de conduzir em sentido contrário à de todas as outras vieram por parte dos suspeitos do costume, que é como quem diz, de uns quantos adeptos-comentadores, que voltaram a utilizar o seu espaço para atear fogueiras, com narrativas carregadas de suspeitas. Mais uma vez, os suspeitos do costume tiveram certezas inequívocas onde o resto do mundo teve dúvidas legítimas. Mais uma vez, os suspeitos do costume acharam que foram espoliados e perseguidos, vendo-se obrigados a lutar contra tudo e contra todos. Mais uma vez, os suspeitos do costume incentivaram ao ódio pela via de tom estrategicamente exaltado, com murros na mesa, palavras fortes e postas de pescada atiradas para todo o lado.
Eu, o caro leitor, nós, todos nós, sabemos perfeitamente quem são. Eles estão bem identificados, porque mantêm a velha dinâmica há séculos. Deste lado, vemos a mesma coisa jornada sim, jornada não, depende dos resultados, dos lances, das rivalidades ou apenas do que lhes der na telha.
Mas o facto de serem previsivelmente redondos e parciais (muito parciais) nas alarvidades que disparam quase todas as semanas não lhes devia dar o direito de insistirem em discurso ora persecutório, ora calimerizado, que polui a mente dos pobres de espírito que comem da mesma marmita.
Curiosamente, a maioria dessa malta nem é gente má. Conheço uns quantos e posso assegurar-vos que, fora do mundo da bola, são quase todos pessoas de bem, honestas e pacíficas. Mas a máscara que colocam em televisão, o personagem que vestem na imprensa, é a antítese de tudo o que acho normal. Choca-me até. Choca-me porque seria incapaz de me transvestir dessa forma, fosse porque motivo fosse. Seria incapaz de tentar influenciar pessoas a odiar outras só porque sou faccioso, doente por um clube ou apenas malandreco, estratégico. Ambicioso.
A este propósito, insisto na ideia de que os responsáveis maiores desta piromania nem são esses atiradores de gasolina. São quem lhes dá palco e protagonismo, a troco de tiragens, engagment, audiências e afins.
Sei que alguns não gostam que diga o que penso desta forma, mas não deviam estranhar: nenhum deles coíbe-se de dizer ou escrever o que quer e bem entende sobre os outros.
Há muita gente a tentar tornar o desporto um lugar menos tóxico. Estamos a falar de pessoas que passam parte importante do seu tempo em palestras, colóquios e conferências em escolas, clubes, associações e universidades a tentar sensibilizar crianças, jovens, atletas e adultos para a importância das (boas) condutas, da tolerância e da preservação de valores como educação e respeito.
Considero esse tipo de comentadores uma das causas que destrói tudo isso, tornando o futebol português mais crispado e cinzento.
Eles acham que não, mas estão errados.