Olé!

OPINIÃO26.11.202106:00

Há coisas que não se explicam; ou se tem ou não se tem. Rúben Amorim tem!

RÚBEN AMORIM é bem o exemplo de como no futebol não existem projetos; o que existe é a escolha de pessoas. Há escolhas certas e escolhas erradas. E Amorim, como já a época passada se percebeu, foi a escolha certa. Sabe da coisa, e sabe mesmo. E saber da coisa não é apenas saber de tática e de treino e de métodos e de planeamento e de estratégia de jogo. Saber da coisa é saber muito mais do que isso.
No futebol não há projetos. No futebol, o projeto é escolher o treinador. E, depois, é deixar que o treinador escolhido faça ele próprio as suas escolhas. E, por fim, é esperar que dê certo.
O presidente do Sporting tinha um projeto? Não! O que o presidente do Sporting tinha (como qualquer outro) era uma ambição, um desejo, um sonho. Escolheu mais do que um treinador antes de escolher Rúben Amorim. E todos falharam. Ou melhor: a ambição do presidente do Sporting falhou com todos eles. E cada um teve o seu projeto.
Varandas escolheu Marcel Keizer e despediu-o; tentou Leonel Pontes transitoriamente sem sucesso; e apostou em Silas, que ao cabo de seis meses bateu com a porta.
Quando, por fim, escolheu Rúben Amorim, o presidente do Sporting confiou, seguramente, na escolha de Hugo Viana, o homem do futebol. Não se tratou de ter um projeto; tratou-se de encontrar o treinador que pudesse ser o certo para a realidade do Sporting. E Rúben Amorim provou que foi.
Primeiro, repito, sabe da coisa. E sabe, está visto, uma coisa muito importante em qualquer treinador - escolher os jogadores! Além disso, e não menos importante, porque tudo, num treinador, é importante, é jovem, ambicioso, cheio de energia e sangue na guelra, como se dizia antigamente, muito esperto, bom comunicador, tão bom que fala quase sempre as coisas que querem ouvir os que estão do lado de dentro e os que estão do lado de fora, e é fantástico a unir, a congregar, a aglutinar, a juntar, e a criar espírito, química, empatia, ligação, coesão, atmosfera. Sem isso, não há campeões!
Não precisava Rúben Amorim de andar a querer colecionar estreias de jovens jogadores como quem coleciona troféus de caça. Pergunto, a propósito, se alguém voltou a ver por aí o menino Dário Essugo? Ou quando se voltará a ver o menino Gonçalo Esteves? Ou, agora, o recém-lançado Flávio Nazinho?
Rúben Amorim já mostrou que é suficientemente capaz de se tornar numa espécie de José Mourinho da nova geração de treinadores. Chegar pela primeira vez a um grande e ser campeão nacional e chegar pela primeira vez à Liga dos Campeões e levar a equipa, já, aos oitavos de final (arrumando com um poderoso Borussia Dortmund), não pode, evidentemente, ser obra da graça e do espírito santo. É, realmente, obra, e valente obra de um treinador que já trabalhou muito para aqui chegar e que, mesmo sabendo, como diz o próprio, que isto, no futebol, «muda muito rápido», aqui chegado, deixa Rúben Amorim clara a convicção de que dificilmente o futebol mudará assim tão rápido com ele. Vai, seguramente, continuar a vencer mais do que vai perder, e mesmo que não seja, de novo, campeão, ou não vá muito mais longe na Liga dos Campeões, quem, no seu perfeito juízo, pode exigir-lhe, por agora, mais do que ele já deu ao futebol do Sporting?
 

Oprojeto do Sporting é, pois (como em qualquer grande clube), o projeto do treinador. O presidente confia no seu homem do futebol; o homem do futebol confia no treinador escolhido. E o treinador escolhido confia nos jogadores que escolhe. Depois, ou mostra mãozinhas para conduzir a equipa (seja, ou não, um Ferrari) ou não mostra. E Rúben Amorim mostra. E mostra ainda mais: mostra ter algo que não se explica, mas se percebe. Podem chamar-lhe química, energia, foco, mentalidade, genialidade, personalidade. Podem chamar-lhe outra coisa qualquer. Como dizem os italianos, é uma coisa que ou se tem ou não se tem. E, na verdade, volto a sublinhar, Rúben Amorim tem. Está na cara que tem. Pode até nem voltar a ser campeão nos próximos dois ou três anos (por hipótese, caso FC Porto ou Benfica, ainda à frente do Sporting em matéria financeira e estrutural, dividam também títulos), mas a verdade é que Rúben Amorim tem o que os italianos costumam referir que é preciso ter sem o conseguirem explicar. Está o leitor a compreender-me?
Dizia-me, há largos anos, esse grande mestre do futebol que sempre reconheci em João Alves, ele mesmo, o luvas-pretas que tanta história deixou no futebol português, que uma das mais importantes, e decisivas, etapas no trabalho de um treinador é a escolha dos jogadores. Nunca duvidei.
Antes de Rúben Amorim, o Sporting andou a escolher jogadores sem grande critério. Nem se percebe bem, na verdade, quem os escolhia. Se era por necessidade, por oportunidade de negócio, por urgência em criar entusiasmo ou simplesmente porque era o que era, simplesmente, possível, sendo que nem sempre, como se viu, o possível é boa solução.
Pois Rúben Amorim (com ou sem ajuda, com mais ou menos informação), começou por escolher Antonio Ádan, Feddal, Palhinha, Pedro Porro, Nuno Santos, Pedro Gonçalves, Tabata ou Paulinho. Tomou ainda a decisão de apostar em Nuno Mendes (que pérola!!!) ou Gonçalo Inácio (que futuro!!!) ou ainda Matheus Nunes (que qualidade!!!) ou mesmo Tiago Tomás (que promessa!!!)
Fez as opções que fez. Mas fez ou não fez boas opções? Escolheu ou não escolheu bem? E das sementes fez ou não fez um belo jardim?
Dir-se-á: está a correr-lhe tudo bem. É verdade, e ele próprio o reconhecerá lá para com os próprios botões. Sabe que foi para clube sem expectativas, onde o peso da responsabilidade era muito menor; mas soube jogar com isso e não iludiu ninguém. Aproveitou a onda e teve talento para a surfar.
Há quem tenha as ondas e não consiga sequer pôr-se de pé na prancha. Rúben Amorim não se pôs apenas de pé. Foi logo campeão assim que desafiou as maiores ondas. O resto é conversa!
 

Eo resto, depois, é, simplesmente, futebol. Talento, organização tática, estratégia, raça, estrutura e estabilidade emocional, eficácia na finalização e… a estrelinha, a pontinha de felicidade. E acreditar que a energia positiva, que o Sporting indiscutivelmente respira, atraia mais energia positiva.
Quarta-feira, na fantástica noite de Alvalade, foi o Borussia Dortmund que entrou bem melhor no jogo e dominou uns bons 20 minutos e acabou por perder; como o FC Porto, que entrou bem melhor no jogo em Liverpool e foi mais perigoso uns bons 20 minutos e, no fim, saiu derrotado. Não lamentará Sérgio Conceição a perdida de Otávio? E a infelicidade naquele remate de Uribe? Pois claro que lamenta. Não pode é lamentar o bailado de Salah, porque Salah é, seguramente, nesta altura, um dos cinco, ou, se calhar, três melhores jogadores do mundo, e quem tem Salah tem muita probabilidade de ganhar.
Mas também lamentará o treinador do Dortmund aquela inacreditável ação de dois dos seus jogadores no lance que deu o primeiro golo do Sporting; ou a displicência dos seis defesas na jogada que resultou no 2-0 para os leões. E ainda lamentará a cabeça perdida por Emre Can que lhe valeu a expulsão; e a infeliz, ou melhor, inaceitável intervenção de Zagadou no penálti cometido sobre Paulinho (pontapé no pé esquerdo do avançado leonino quando o avançado leonino corria na diagonal para fora da área).
O que o treinador do Dortmund não pode é lamentar o extraordinário talento de Pedro Gonçalves (destaque, naturalmente, maior) para se diferenciar no jogo como autor de golos atrás de golos com a aparente facilidade de quem bebe copos de água. Não pode lamentar porque Pedro Gonçalves não é um acaso no jogo; é uma chave ; é uma espécie de Griezmann do Sporting, se é que me faço entender (mister Fernando Santos, não se esqueça dele, se tudo correr bem, para os play-offs de março, por favor!...), um jogador, como diz um camarada meu aqui na BOLA, que faz... passes à baliza; um jogador que me parecia, no início, uma coisa, e é afinal outra, verdadeiramente excecional, absolutamente diferenciado, notavelmente perspicaz, ousado, atrevido, inspirador e surpreendente. Tão surpreendente que conseguiu em Alvalade algo inimaginável tão cedo: fazer esquecer Bruno Fernandes. E fez!
Por fim, last but not the least, uma palavra indispensável para Frederico Varandas, o presidente do Sporting. Também é um mérito deixar o palco para os protagonistas. É o que está a fazer Frederico Varandas, que teve, também, é sempre bom não o esquecer, o grande mérito de arriscar como arriscou. Não é, também a vida, um jogo?!


PS: Depois de vermos o que se tem visto, como, ainda esta semana, em Barcelona, digam-me lá, com franqueza, se Jorge Jesus não parece amaldiçoado no Benfica? Dizem os espanhóis que «no creo en las brujas, pero que las hay, las hay». Pois creio que Jorge Jesus pode dizer o mesmo. Será que já lhe aconteceu alguma coisa de bom desde que regressou à Luz?!