O saber não ocupa espaço
EM artigos anteriores falei-vos sobre algumas das alterações às leis de jogo, aprovadas para esta época. Não são muitas nem significativas, mas juntam-se a um conjunto de regras já existentes que continuam a levantar dúvidas junto do adepto e até dos vários agentes desportivos. Isso é normal, sobretudo num jogo em que a letra da lei até é clara, mas o seu espírito tem demasiada elasticidade. A tal elasticidade pode gerar dúvidas por depender de intensidades, da conduta de alguns jogadores, da perspetiva ou ângulo de visão, do critério aplicado até então, da comunicação com colegas, da concentração, enfim, de um sem fim de variáveis. Em campo, continuam a pairar muitas dúvidas, o que só acontece devido a uma de duas situações: ou a mensagem para o exterior não é bem passada ou um lance de jogo só se torna interessante quando atinge o clube de cada um. Inclino-me mais para a segunda possibilidade.
No início de cada época, as várias estruturas que gerem a arbitragem (quer o CA da FPF a nível nacional, quer os CA’s das Associações de Futebol, a nível distrital) desdobram-se em ações de formação a clubes e, nalguns casos, à imprensa. Fazem-no porta a porta ou dentro da sua própria casa, perante convocatória atempada para o efeito. Deixem-me que vos diga uma coisa, com toda a sinceridade: se a formação não for mandatória (e raramente é), o interesse é quase nulo. Obviamente que há sempre quem apareça e queira aprender. Há quem faça perguntas interessantes e levante dúvidas pertinentes. Mas a ausência maciça é mais habitual.
Cá fora, acontece o mesmo. Também eu, no conforto do meu pequeno quintal, tento remar contra a maré das várias formas que posso e sei. O meu Kickoff (perdoem-me a publicidade) está presente em quase todas as plataformas digitais/redes sociais, mas só gera entusiasmo a sério quando o assunto é falar de lances dos jogos do Benfica, FC Porto ou Sporting. Aí a interação é inacreditável. Uma verdadeira loucura. Já quando o assunto é (tentar) fazer pedagogia, nada a fazer. As pessoas simplesmente não querem saber. Os likes e comentários (ou, no caso, a falta deles) são disso prova cabal. Situações técnicas per si, em abstrato, sem lance inflamado por baixo, não despertam atenção. As coisas são como são.
Não obstante, a verdade é que não faltam no mundo virtual uma data de PDF’s, comunicados e clarificações sobre as leis de jogo. Há até imagens claras, infografias interessantes e vídeos explicativos sobre cada uma delas. Estão todos à distância de um clique. De um clique que raramente é clicado. Como a oferta formativa atual parece não ser cativante, seria interessante encontrar outras formas de atrair a atenção de quem joga, treina, comenta e vive o jogo. É preciso criar novas maneiras de ensinar, de apelar ao conhecimento, de chamar à atenção, sem que isso pareça um fardo.
Pelo que tenho visto e ouvido, estou convencido que o sucesso dessas ações passaria por criar iniciativas mais práticas, de maior proximidade ao adepto e de permanente contacto com clubes e imprensa. É preciso chegar até eles com frequência e de forma consistente. Constante. Quase permanente. Quanto mais informação, menos discussão. Quanto mais esclarecimento, menos dúvidas. Quanto maior a abertura, menor a suspeita. É tão simples quanto isso.
Os tempos atuais são de enormíssima dificuldade para árbitros de topo. O escrutínio é milimétrico e a pressão sobre eles é tremenda. Maior do que nunca. Para a discussão acalorada e para o palavrão desbocado, já chegam os lances dúbios, subjetivos e de interpretação. Todos os outros, absolutamente factuais, deviam estar na ponta da língua de cada jogador, treinador, dirigente, adepto e jornalista. Não é um desafio tão difícil como parece.