O regresso do desejado (Rúben e não D. Sebastião)
Voltou o treinador, voltaram as vitórias. Não sei se haverá uma relação de causa-efeito, até porque o Leça, por muito esforçado que fosse, não estava à altura
NÃO foi um bom jogo, apesar dos quatro golos que o Sporting marcou, dois deles por Tabata, quando ainda jogava à frente (com a entrada de Paulinho, perto do fim, passou para o meio-campo). Mas foi um jogo que possibilitou esconjurar a derrota nos Açores e reabilitar um injustiçado Esgaio, que ao fazer a assistência para o 3-0, e com uma exibição relativamente boa, saiu aplaudido, quando o jovem Gonçalo Esteves o substituiu, aos 83 minutos.
Se na primeira parte, até aos 30 minutos, o Sporting demonstrou que mandava no jogo, com dois golos (Tabata e Matheus Nunes), só nos últimos 10 minutos voltou a parecer mais vivo, depois de aos 80’ Tabata ter feito o seu segundo, e o terceiro da equipa e, já no tempo de descontos, Nuno Santos ter fechado a contagem. Pelo meio ficou um jogo triste, com bons apontamentos aqui e ali, uma enorme defesa do guarda-redes do Leça a um remate, uma vez mais, de Tabata, e uma sorte dos diabos quando um cabeceamento é salvo por um defesa e pela trave da baliza à guarda de Gustavo Galil, que fora um dos maiores heróis da chegada da equipa do Campeonato de Portugal a esta fase da Taça.
O Sporting espera o Vizela-FC Porto desta noite, em que mais de meio país torcerá pelos vizelenses. Uns, os do Sporting, porque lhes facilita a vida nas meias-finais; outros, os do Benfica, porque o FC Porto ser eliminado é sempre uma alegria.
Falando do campeonato, naturalmente detestei o facto de o Sporting ter perdido nos Açores. Não só de ter perdido, mas de ter estado em vantagem duas vezes, desperdiçando-as. Não vale a pena culpar um jogador, a equipa toda ou a ausência de Rúben Amorim, a recuperar de Covid. Penso que o melhor é ter uma atitude sensata e pensar que, alguma vez, teria de ser. Nenhum clube no mundo ganha sempre ou vive a vida toda sem perder. Ora, o Sporting, salvo os encontros europeus da Champions, não perdia desde um jogo na Luz, quando já era campeão.
Há que, igualmente, dar mérito ao Santa Clara. Bateram-se bem, sem medo, contra-atacando com critério. Aliás, preocupa-me mais o facto de o Sporting ter sofrido três golos, o que só o Ajax conseguira esta época, ou ter sofrido cinco golos em dois jogos, tantos como sofrera nas 15 partidas anteriores para o campeonato. Anda ali qualquer coisa - um andaço, uma espécie de doença que não se conhece - e que espero esteja já curada. Veremos, no domingo, em Vizela, jogo muito mais perigoso do que parece.
O facto de o Sporting estar agora a três pontos do FC Porto e com o Benfica quatro pontos atrás, não mudou substancialmente a luta pelo campeonato. Os leões continuam a depender apenas de si, uma vez que se vencerem o FC Porto no Dragão, voltam para a frente. Mas claro que torna tudo mais difícil.
ARBITRAGENS
JÁ as arbitragens é outra conversa, bastante mais séria. Ontem li aqui a crónica de Duarte Gomes, com a qual concordo; também li a análise que ele fez aos lances polémicos dos jogos do Benfica e do FC Porto, assim como vi, no caso do Estoril-FC Porto, o programa em que mostram os lances a partir de várias câmaras. Ora, o 3-1 para o Estoril, que foi anulado, mantendo-se o 2-1 e depois a remontada do FC Porto para o 3-2, foi um lance assaz estranho. Percebo que qualquer falta cometida na área tem de ser assinalada, seja ela defensiva ou ofensiva, como neste caso, porque pode permitir um golo ilícito. Mas permitam-me que diga que a carga de Gamboa sobre Evanilson, a ter existido a tal intensidade que sempre se exige, me pareceu bastante fabricada. Ou seja, se um golo é anulado por uma falta como aquela, deveriam ter sido anulados diversos golos no nosso campeonato. E a justiça só existe se os critérios da sua aplicação forem iguais, independentemente do árbitro e do clube. Aceito que os comentadores de arbitragens, que são todos ex-árbitros, concedam benefícios da dúvida. O que já me parece estranho é que as dúvidas não tentem ser minoradas, estabelecendo-se regras práticas aplicáveis em todos os terrenos.
O próprio Duarte Gomes estranhou a expulsão de um jogador do Paços, depois de ter cometido uma falta tecnicamente semelhante à que antes cometera Otamendi, tendo o benfiquista escapado apenas com um amarelo. Ora isto passa-se no mesmo jogo, com o mesmo árbitro. É preocupante que mesmo benfiquistas meus amigos tenham salientado essa duplicidade de critérios, que o Benfica nem necessitaria. Do mesmo modo, não digo que o FC Porto não venceria o Estoril, mesmo que o terceiro golo da equipa da Linha tivesse contado. Quem tem ânimo para recuperar de 0-2, também o pode fazer de 1-3. O problema não é esse, mas a sensação de pouco rigor e, quem sabe, de profissionalismo ou mesmo de seriedade que existe em certas arbitragens.
Outra coisa, totalmente diferente, é os treinadores, como o do Estoril, queixarem-se ou porem em causa a seriedade de um árbitro em concreto, sem terem provas. E mais um ponto, do mesmo modo que os juízes da partida devem ser interpelados e castigados quando erram, o mesmo deve acontecer aos jogadores que tentam enganar o árbitro. E não só nos penáltis; em todo o campo, quando fingem ser atingidos ou puxam camisolas para dar a entender que são puxados. O castigo deveria ser maior do que o amarelo, porque é uma falta antidesportiva - coisa que, por vezes, o pisão, mesmo que ponha em risco o adversário, não é. Trata-se, apenas de ímpeto em excesso que, devendo ser punido, não deixa de ser moralmente menos grave que a tentativa de burlar o árbitro e os adeptos do futebol.
ELEIÇÕES
SABE-SE que as eleições do Sporting são já a 5 de março. Podiam ser quase dois meses depois, mas a Mesa e a Direção escolheram uma data mais próxima. Entende-se: o Sporting viveu uma época histórica em 2020/2021 e está a fazer boa figura na atual época de 2021/2022. Das quatro competições em que ainda está em prova, só pode não ter bons resultados na Taça da Liga (caso não vá à final, sendo afastado pelo Santa Clara) ou perca a final (com grande probabilidade, contra o Benfica) de modo humilhante. Além disso, há o Manchester City, cuja segunda mão só se jogará (em Inglaterra) depois das eleições. Claro que um mau resultado na primeira mão pode ditar o destino do clube, mas nenhum sócio estranhará demasiado se o Sporting for eliminado por um dos grandes europeus. De resto, espera-se estar ainda a lutar pela Taça e pelo campeonato.
Frederico Varandas e a equipa que ele escolher serão, praticamente imbatíveis. Mas insisto que toda esta sorte pode mudar e, nesse caso, as feridas antigas não estão saradas, porque nunca se tratou delas a sério. Ontem mesmo, numa entrevista a este jornal, o candidato da lista de Nuno Sousa a presidente da AG, João Gaspar, embora de modo muito cuidadoso, volta com a velha ideia de haver um voto por sócio. Percebe-se a ideia, que aliás parece muito democrática. Mas não é errado dizer que são, sobretudo, os sócios com mais votos por antiguidade que preservam o espírito do que é clube.
Esta regra existe na maioria dos clubes. Uma das exceções é o Futebol Clube do Porto, que consegue eternizar uma liderança; Pinto da Costa é presidente há quase 40 anos (completa em março), feito que nem Salazar conseguiu, como chefe do Governo (e tinha uma ditadura a sustentá-lo). Já por aqui se vê, que aqueles que apelam muito à democracia, nem sempre são os maiores democratas. Um homem há 40 anos em funções sabe que o seu tempo já passou e que se aguenta apenas por artimanhas várias. Poderão dizer que se aguenta porque o FC Porto venceu muitos campeonatos na sua era. Talvez seja isso, e talvez seja o que nos devemos interrogar: por que razão venceu tantos? Seria apenas por ser melhor? Por sorte? Ou houve muito para além disso?
JOGAR FORA
Benfica — Rui Costa promete hoje uma intervenção de fundo sobre o clube que preside. A comunicação é na Benfica TV em canal aberto, ou seja, não é preciso ter subscrição. O ex-jogador e atual presidente colocou a fasquia tão alta, que até eu tenho curiosidade em saber o que vai dizer.
Histórias — Há histórias que não se podem perder. É o caso da que diz respeito ao guarda-redes internacional Jaguaré Bezerra de Vasconcelos, nestas páginas contada por António Simões. Estivador que passa a jogar no final dos anos 20, percorre a elite do futebol do seu tempo (anos 30 do século passado), termina a vida futebolística e volta a estivador, depois de dar cabo do muito dinheiro que havia ganho. Foi enterrado como indigente, depois de espancado até morrer por polícias. Quando esteve no Leça, já no fim da carreira, a 22 de fevereiro de 1942, o Sporting ganhou, em casa, àquela equipa por 14-0 e Peyroteo, só ele, marcou nove golos. Já não há jogos assim… (exceto no futebol feminino).