O Nível dos treinadores portugueses
Este sistema, como todos os sistemas corporativos, presta-se a abusos e limita o acesso à profissão
ESTE é um assunto que Rúben Amorim conhece melhor do que ninguém. Em 2020/2021 venceu o campeonato, enquanto treinador do Sporting, e na hora da vitória brincou, com graça, com o assunto: «Espero que me passem no exame final do curso de treinadores agora que ganhei o campeonato.»
De que falava Amorim e o que é isto do nível dos treinadores? E que casos são estes, sempre denunciados pela Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF), tão interessada na defesa da lei e, como todas as corporações, na defesa dos interesses daqueles que representa? Simples: os clubes participantes na Liga têm de ter como treinador principal uma pessoa que tenha a habilitação «UEFA Professional (Grau IV), sendo que para este efeito basta que o treinador principal esteja a frequentar o curso para obtenção do grau exigido (…)» - artigo 82.º do Regulamento das Competições. E, nessa altura, era isso que se passava com Rúben Amorim. A questão com o treinador começou anos antes, ainda no Casa Pia, depois do SC Braga, e quando foi contratado para dirigir o Sporting, sem ter, ainda, o nível requerido. Aquando da assinatura do contrato entre as partes, de acordo com os Acórdãos consultados, foi estabelecido que Amorim seria treinador-adjunto, sendo outro elemento o treinador principal.
Nisto, a queixosa ANTF viu fraude por parte do Sporting e de Amorim, porque este tinha realmente sido contratado para treinador principal. Isso resultava, entre outras evidências e provas, do seu comportamento no banco: «O treinador-adjunto dava instruções para o campo como se fosse o treinador principal», diz um dos relatórios dos árbitros. Foram essas e outras provas que levaram o Conselho de Disciplina da FPF a condenar o Sporting ao pagamento de multa e à interdição do recinto desportivo por um jogo. Mas o clube recorreu e foi ganhando em todas as instâncias: primeiro no TAD, depois no Tribunal Administrativo e finalmente, no Supremo Tribunal Administrativo. Uma goleada jurídica do Sporting. Estas vitórias em Tribunal aconteceram por falta de provas admissíveis e pelo formalismo que caracteriza os tribunais portugueses. Era evidente para todos que Amorim era o treinador. Em Inglaterra, país onde as regras são cumpridas sem hesitações, todos intuímos que a decisão teria sido igual à do CD da FPF. Mas há uma outra perspetiva em todo este assunto: o corporativismo instalado, os poucos cursos para treinador de grau IV (não há todos os anos em Portugal) e as poucas vagas (20 este ano), leva a que muitos treinadores portugueses consigam o grau IV num outro país. Ou que haja subterfúgios. Este sistema, como todos os sistemas corporativos, presta-se a abusos e limita o acesso à profissão. Como sempre, defendem-se os que já são e esquecem-se os mais jovens que querem entrar. Amorim que o diga, pois sofreu na pele, desde os tempos do Casa Pia. Neste caso, e apesar do jogo tático, não houve direito ao golo para nenhuma das equipas.