Começa a parecer que o campeonato será agora uma corrida a dois; Benfica gastou mais €75 milhões que o Sporting nos últimos dois anos; isso costuma fazer a diferença
Cumpridas mais de duas décadas já se pode dizer com alguma propriedade que o capitalismo 2.0 no futebol aumentou as desigualdades entre os clubes mais ricos e os menos abastados na proporção do aumento geral das receitas. Houve um antes e um depois da entrada de Roman Abramovich no Chelsea no verão de 2003 porque o investimento do multimilionário russo criou um efeito de contágio na Premier League que se estendeu a outras partes da Europa, culminando com o momento-Neymar, quando um clube-Estado como o PSG decidiu investir 222 milhões pelo passe do brasileiro, inflacionando a bolsa mundial da bola. Basta lembrar o valor médio das transferências antes e depois de agosto de 2017.
Não por acaso o FC Porto de José Mourinho em 2004 foi o último clube fora dos big 5 a vencer a Liga dos Campeões, o que torna aquela equipa um caso de estudo e objeto de culto à medida que o tempo vai passando. Não apenas pela excelência do futebol praticado, mas por ter sido provavelmente a melhor formação da Europa na relação preço/qualidade (incluindo um treinador genial que à data ainda era um remediado) nas últimas décadas. Aquele conjunto de jogadores não foi somente uma equipa, mas um modelo de gestão: gastou pouco e ganhou muito.
Mas o que se seguiu a partir daí foi uma profunda aceleração dos gastos. Os resultados caucionavam as decisões: quem ganhava no fim eram aqueles que mais investiam, mais milhão menos milhão. Inclusive no plano nacional. O autor português Domingos Amaral, assumido benfiquista, chegou a escrever em 2012 um livro com o título Porque é que o FC Porto é campeão e o Benfica só ganha Taças da Liga e a conclusão a que chegava era simples: porque os dragões investiam mais que as águias. Porque podiam.
Avançando aos dias de hoje, esse papel de rico cabe agora ao Benfica. Porque pode. Em dois anos e quatro janelas de mercado, Rui Costa gastou quase €190 milhões para satisfazer os pedidos de Roger Schmidt, o que à luz desta lógica faz dos encarnados o principal candidato ao título. Comparando o mesmo período temporal com o Sporting, rival que partilha o primeiro lugar com os mesmos pontos e menos um jogo, as águias investiram mais 75 milhões de euros. Mais cedo ou mais tarde, essa correlação de forças costuma fazer a diferença. Porque, globalmente, os encarnados têm um plantel mais homogéneo e apresentam mais soluções. Os leões são melhores do ponto de vista coletivo (mérito de Rúben Amorim) mas dependem mais do seu melhor jogador (Gyokeres, a grande figura do campeonato) do que o Benfica (umas vezes é Di María, outras Rafa).
Mais de €40 milhões gastos em reforços que chegaram em janeiro; mais do dobro do recorde anterior, quando saíram €20 milhões da Luz para um único jogador (Weigl), em 2019/2020; €188 milhões desde a chegada de Roger Schmidt
Com a derrota do FC Porto em Arouca não restam grandes dúvidas de que o campeonato será agora uma corrida a dois e entre dois modelos diferentes (de expansionismo, de tática, de estratégia). Numa prova de regularidade e para quem está em várias frentes, o Benfica está mais apetrechado, desde a defesa ao ataque, porque teve dinheiro para o fazer. Mesmo não sendo a equipa que melhor futebol pratica (esse rótulo pertence ao Sporting) tem mais capital humano – recorde-se que no último dérbi que os verdes e brancos foram superiores, mas perderam com um golo de um suplente, Tengstedt – e isso costuma ser decisivo em maratonas.
Rúben Amorim pragmático na conferência de antevisão ao Casa Pia
Mesmo que Amorim já tenha afirmado que sairá se nada vencer, a maior pressão está em Roger Schmidt. Resta saber se o técnico germânico saberá transformá-la em gasolina, à semelhança do que, inteligentemente, está a fazer o homólogo de Alvalade.