Para além dos equipamentos de jogo, também os equipamentos de treino são já alvo de renovação permanente. FOTO IMAGO
Para além dos equipamentos de jogo, também os equipamentos de treino são já alvo de renovação permanente. FOTO IMAGO

O impacto das estratégias comerciais nos equipamentos desportivos

OPINIÃO16.04.202508:40

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Uma das discussões mais emotivas sobre futebol prende-se com a evolução do futebol enquanto desporto, em contraste com o futebol como negócio.

Dentro da lógica do futebol-negócio, sobressai, desde logo, a ideia da identidade de um clube de futebol, que entendo ir muito além dos resultados em campo ou do número de títulos conquistados.

A identidade de um clube está profundamente enraizada na sua história, nos seus valores fundacionais, nos seus adeptos e, inevitavelmente, na sua imagem visual. No entanto, nos tempos mais recentes, esta identidade tem sido constantemente posta à prova por um fenómeno cada vez mais notório: a incessante alteração dos equipamentos desportivos a cada época desportiva, impulsionada unicamente por uma lógica comercial.

Os clubes têm o equipamento principal, dois ou três equipamentos alternativos, para além das edições especiais ou comemorativas, às quais se somam, ainda, edições especiais de colaboração com outras marcas não ligadas ao desporto.

Todos os anos, os principais clubes europeus e mundiais apresentam novos equipamentos, muitas vezes afastando-se significativamente das cores e dos designs que historicamente os caracterizam.

Esta mudança frequente não é um acaso, mas antes um reflexo de um mercado altamente lucrativo. As marcas desportivas, que celebram contratos milionários com os clubes, impõem a necessidade de uma renovação constante dos equipamentos para estimular a venda de merchandising.

Os adeptos, tomados por uma paixão inabalável pelos seus emblemas, são frequentemente levados a adquirir as novas camisolas, contribuindo assim para a perpetuação deste ciclo comercial. Para além dos equipamentos de jogo, também os equipamentos de treino são já alvo de renovação permanente.

No entanto, se olharmos para os clubes que são patrocinados pelas maiores marcas desportivas, vemos que, ultimamente, os designs variam muito pouco de equipa para equipa. Não raras vezes, o que marca a diferença é somente o logótipo dos patrocinadores na frente e nas mangas das camisolas.

Posto isto, uma questão fundamental impõe-se: até que ponto esta estratégia pode acabar por comprometer a identidade de um clube?

Quando um clube que historicamente tem uma paleta de cores bem definida passa a adotar equipamentos alternativos em tons completamente diferentes, não estará a fragilizar a sua própria imagem junto do público e dos seus adeptos?

A camisola de um clube não é apenas um pedaço de tecido; é um símbolo que une gerações, que carrega memórias e que reforça a identidade coletiva de toda uma massa adepta.

A perda de identidade visual pode ter consequências que transcendem a mera estranheza dos adeptos perante um novo equipamento. Num contexto de crescente globalização do futebol — e de entrada de novos investidores, grandes grupos económicos ou até mesmo Estados no capital social dos clubes — a descaracterização de um clube pode facilitar a sua alienação a entidades externas que não partilham dos valores nem da história da instituição. Se a identidade visual de um clube se tornar volátil e submissa às imposições comerciais, qual será o próximo passo? A mudança de nome, de emblema, de localização?

Não sou purista nem quero impor um qualquer saudosismo irracional ou um bloqueio à modernização do futebol. A evolução é necessária, mas não pode dar-se a qualquer custo. Os clubes devem tentar encontrar um equilíbrio entre a necessidade de gerar receitas e a preservação da sua identidade.

Isso pode passar, por exemplo, por garantir que os equipamentos principais mantêm coerência histórica, permitindo alguma criatividade apenas nas edições especiais/comemorativas. Mais importante ainda, os adeptos devem ter um papel ativo nesta discussão, pois são eles os verdadeiros guardiões da identidade dos clubes.

Se o futebol é realmente o jogo do povo, então a voz desse mesmo povo deve ser ouvida e respeitada. A tradição e a identidade de um clube não podem ser reféns de estratégias comerciais desenfreadas. Caso contrário, arriscamo-nos a transformar os clubes em meras franquias descartáveis, nas quais os adeptos deixam de se reconhecer e identificar. E quando isso acontece, o que resta do futebol que apaixonou gerações?