O golo de Mbappé e o escândalo que não é
A decisão correta foi profundamente injusta, porque o futebol não espera um golo destes
A França venceu a Espanha na final da Liga das Nações através de um golo que fez correr muita tinta. O lance, de aparente fora de jogo, foi validado em campo pelo árbitro assistente e em sala pelo videoárbitro, um juiz internacional de categoria reconhecida. Isso aconteceu por uma razão muito simples: porque o golo foi legal.
Este exemplo prático, que evidenciou estranheza coletiva e hostilidade generalizada, levanta algumas reflexões. A primeira e porventura mais importante é a da confirmação que a maioria das pessoas ligadas ao futebol - de treinadores, jogadores e dirigentes a adeptos, jornalistas e comentadores - não sabem as leis de jogo nem conhecem as regras em detalhe. Dominam algumas das suas situações mais evidentes, têm noções sobre as mais básicas, mas quando o lance exige conhecimento a sério, quando exige especificidade técnica, o pouco saber racional desaparece, dando lugar à tal sensação de (in)justiça popular. Neste caso concreto - tenho que ser muito sincero convosco - a culpa é toda de quem não tem pachorra para aprender. É daqueles que não perdem um segundo a ouvir um esclarecimento que não esteja sustentado num lance obsceno ou numa situação de jogo mais mediatizada.
Não faltam livros, posts, stories, vídeos e artigos com esclarecimentos sobre situações exatamente iguais à que aconteceu no Espanha-França. Qualquer pessoa que queira pode encontrar, em vários sites oficiais e até em fóruns, blogs e redes sociais de ex-árbitros, explicações detalhadas e bem fundamentadas sobre essa e outras matérias mais sensíveis. O problema é que a maioria (felizmente não todas) só aprende quando o lance acontece. Quando o caso prático aparece e aí cai o Carmo e a Trindade. Essa sensação dramática é mais evidente (e justificável) quando a decisão final colide com a nossa perceção de justiça. Quando choca pela forma como parece desvirtuar a verdade desportiva.
Foi exatamente o que aconteceu quando Mbappé marcou aquele golo decisivo: o francês estava em clara posição irregular e beneficiou disso. Todos vimos. O problema é que a lei neste caso não é justa e eu explico-vos porquê: Eric García - em esforço e sob pressão por ter nas costas aquele monstro - tocou antes na bola. Apesar de ser claro para todos que o fez sob pressão e muito condicionado, fê-lo com intenção. De forma defeituosa, errada mas intencional (só o ressalto não invalidaria o fora de jogo). Ora quando isso aconteceu, Mbappé estava perto dele mas nada fez ativamente para o perturbar. Não saltou à bola com ele, não lhe tocou, não o distraiu, não lhe tapou a visão, não o prejudicou diretamente... por isso não o impactou. A mera posição ilegal não é punida, mesmo que o defesa sinta e saiba que tem um adversário ao lado, em posição perigosa.
A decisão, repito, correta foi profundamente injusta, porque o futebol não espera um golo destes. Ninguém quer que um lance assim seja validado e decida o vencedor de uma competição. Esta verdade não invalida que quem joga, treina, dirige e comenta jogos não tenha obrigação de conhecer as regras. Não deva fazer mais para saber melhor o jogo que lhe fundamenta a intervenção e a opinião.
A informação pedagógica só vende quando algo acontece, o que é pena. Ela anda por aí, todos os dias, disponível e quase ninguém a procura. Quando acontecem lances À La Mbappé, toda a gente fala e ralha... sem razão.