O fora de jogo na Premier League
Algumas ligas vão trilhando o seu próprio caminho, ‘moldando’ a letra da lei
A época começou com algumas alterações às regras, que como sabem são universais: não se aplicam apenas no campeonato português. Aplicam-se em todas as competições oficiais da FIFA. Mas, ainda que isso seja verdade, há algumas ligas que vão trilhando o seu próprio caminho, moldando a letra da lei de acordo com a sua interpretação. De acordo com o que acham ser o mais adequado, a dado momento.
A Premier League é uma das que mais atua a esse nível e 2021/2022 não foi exceção. Para além da mudança de paradigma na análise dos pontapés de penálti - a partir desta época não devem ser punidos toques ligeiros ou cujo contacto provoque queda aparentemente facilitada -, a maior mexida aconteceu na análise dos foras de jogo. De forma a evitar que o VAR volte a anular golos por margens muito pequenas (o que, por si só, fere o benefício da dúvida que a regra sempre deu à equipa atacante), Mike Riley, o patrão dos árbitros, importou a tecnologia usada no Euro-2020 e decidiu que a interpretação da lei passaria a ser diferente:
- A partir da agora, quando as duas linhas tecnológicas (as que definem a posição de defesa e avançado) se tocarem ou estiverem sobrepostas, não há infração. A ideia é boa: devolver o jogo à sua fase pré-VAR. Na dúvida, deixa seguir.
Com isto, acabaram os off-sides em que o nariz do avançado estava mais à frente ou a unha do defesa aparecia mais atrás. A própria linha engrossou, para facilitar o fim dos adiantamentos marginais. Segundo Riley, foram anulados na época (na Liga Inglesa) 19 golos por foras de jogo dessa natureza: todos inferiores a 5 centímetros de diferença. Este ano isso não acontecerá. Também o processo de colocação das linhas, que antes era visto por todos, passou a estar vedado aos adeptos, uma vez que gerava confusão e alguma perturbação. Agora só o resultado final aparece nos ecrãs e calibrado de forma muito clara: ou está ou não está. Há o princípio de confiança máxima em quem decide em campo (e em sala).
Concordando em absoluto com o espírito subjacente a esta medida - que, de facto, devolve mais justiça ao jogo, face à dinâmica das equipas e à velocidade de movimentação dos jogadores -, a verdade é que ela fere a letra da lei tal como ela existe agora:
- O jogador que está adiantado em relação ao penúltimo adversário está fora de jogo. E se a tecnologia diz que o seu adiantamento é de 1 cm, então - segundo a regra - ele está fora de jogo por 1 cm. Se uma bola entrar totalmente numa baliza por 1 cm, ela está dentro da baliza... por 1 cm. É cruel mas esse é um dos danos colaterais do recurso à ferramenta. O problema não está, portanto, na forma corajosa, sensata e bem intencionada como os ingleses flexibilizaram a regra: está na regra em si. É essa que precisa de ser mudada, melhorada e clarificada.
Neste momento, os jogadores de Manchester, Liverpool ou Arsenal estão habituados a uma realidade doméstica num sentido, mas quando forem competir pelas suas equipas nas competições europeias terão de lidar com outra, quando a regra é igual. A lei é a mesma. Isso não faz sentido e garantidamente mudará a curto prazo.