O desporto como metáfora de um tempo
'Palavra de Gverreiro ' é o espaço de opinião quinzenal de Pedro Sousa, adepto do SC Braga e deputado à Assembleia da República
Num tempo em que o mundo parece suspenso entre incertezas e transformações, o desporto emerge como um espaço paradoxalmente estável e dinâmico. Ele reflete, com uma honestidade que por vezes nos escapa na esfera política ou social, a tensão entre o humano e o sobre-humano, o esforço individual e a coesão colectiva.
Assistir a um jogo, seja ele de futebol, ténis ou basquetebol, é um ato que transcende o simples entretenimento: é participar numa narrativa maior, onde o imprevisto e a glória coabitam.
O desporto, porém, não existe isolado da sua época.
Há nele, hoje, um traço de hiper-modernidade: uma voragem mediática que tudo consome, uma exaltação dos números e das estatísticas, uma mecanização quase brutal do desempenho.
O VAR, por exemplo, para além de uma ferramenta de precisão, tornou-se símbolo de uma era que prefere o cálculo à intuição, a máquina à dúvida. Contudo, nesse afã pela perfeição, algo se perde — o instante mágico do golo improvável, da falha que humaniza, do erro que é, em si, parte essencial do jogo.
Atualmente, o mundo do desporto é atravessado por uma questão maior do que as próprias competições: a sustentabilidade.
Clubes de topo discutem o impacto ambiental das suas operações, federações ponderam o papel do desporto na mitigação das alterações climáticas e atletas tornam-se embaixadores de causas ecológicas.
Portugal, com a sua tradição desportiva, não pode ficar à margem deste debate. Não basta termos orgulho nos nossos estádios, clubes ou nos feitos de Cristiano Ronaldo: é preciso que o país compreenda o desporto como motor de mudança social e ambiental.
Tomemos o caso da Alemanha, onde clubes como o Bayern de Munique lideram projetos de eficiência energética, ou da Escandinávia, onde a construção de infraestruturas desportivas segue padrões ecológicos rigorosos.
O desporto, como a arte, pode e deve ser um espelho da nossa civilização, mas também, e sobretudo, um instrumento para a transformar.
Que lições podemos aprender com os campos, estádios, pistas e pavilhões? Que valores resgatamos ao assistir à superação de um atleta ou à vitória inesperada de uma equipa subestimada?
Uma, imperiosa, é sabermos que o mais importante não são as medalhas ou os troféus, mas o eco das histórias que ficam, porque, como bem disse Eduardo Lourenço, «o desporto é o mais universal dos poetas».