O descanso das almas atormentadas

OPINIÃO13.03.202003:00

O ópio do povo, como brilhantemente o apelidou Nélson Rodrigues, está suspenso em Portugal por tempo indeterminado. A pandemia de Covid-19 a isso obrigou, como em boa parte da Europa. Há quem diga que as crises são excelentes oportunidades para a evolução. Esperemos que assim seja. Confinados o mais possível às nossas casas e sem um dos temas primordiais do quotidiano para discutir - a bola - este pode ser o ensejo para que muitos recuem aos livros, às séries ou aos filmes, deem descanso a almas constantemente atormentadas e aproveitem para, na pausa, ler mais, absorver mais e, por fim, refletir mais.

Pode ser que, finalmente, coloquem as coisas na devida perspetiva, aquela que nos diz que o futebol é a coisa mais importante das coisas menos importantes e que, perante uma ameaça global dum vírus meio desconhecido, não somos mais nem menos do que os nossos diferentes semelhantes. Pode ser que, por fim, tenham consciência do estado de dependência que o futebol lhes causou, até onde o opiáceo os levou. As situações extremas sublevam, sempre, o melhor e o pior de cada um de nós, de cada sociedade, de cada povo, de cada cultura, de cada economia, de cada ramo de atividade.

O futebol mostrou o seu melhor, por exemplo em Portugal, ao decidir interromper a sua atividade, e o seu pior quando a UEFA deixou andar a Champions em estádios cheios de gente ou determinando futebol assético em recintos completamente vazios só para que o show continuasse. Após medidas avulsas, consoante os intervenientes ou as determinações locais, pronuncia-se global e finalmente na terça-feira. Para trás deixa um silêncio de chumbo, pesado, tão pesado como deveria estar a consciência dos seus responsáveis.