O dedo no ouvido/auricular
Tecnologia é paraquedas de recurso que só deve ser aberto quando todos os outros falham
UMA das premissas das leis de jogo sobre a verificação de um incidente por parte do videoárbitro é a seguinte:
- Se o recomeço de jogo tiver que ser atrasado para que o VAR efetue a verificação de um lance, o árbitro deve sinalizar publicamente esse facto, colocando claramente um dedo no ouvido (ou no auricular) e estendendo a outra mão/braço para a frente. Esses sinais deverão ser mantidos até que a dita verificação esteja concluída, uma vez que indicam que está a ser recebida informação relevante dos colegas de sala.
Na prática, esta opção faz todo o sentido: o que o árbitro faz, através de gestos claros, é dizer a toda a gente - a jogadores, treinadores e até adeptos - que há um lance que está a ser checkado e que, enquanto esse processo não terminar, a partida não pode recomeçar. O problema - que aqui levanto para reflexão dos meus ex-colegas, árbitros no ativo -, é quando essa indicação se confunde com justificação. Pior: o problema é quando esse gesto inofensivo soa a desresponsabilização face à decisão que acabaram de tomar. Acreditem, aos olhos (atentos) de quem está deste lado, isso está a acontecer com cada vez mais frequência.
Não se esqueçam de que colocar o dedo no ouvido tem, apenas e só, a finalidade definida na lei. Não pode servir para lavar as mãos de uma decisão difícil ou para fugir à discussão que ela gerou. A sensação que dá é que se utiliza esse expediente como uma espécie de paracetamol potente, que parece dizer:
- «Calma... não se enervem comigo, por favor. Não protestem, esperem só mais um bocadinho. Estou a falar com o VAR para perceber se a decisão que acabei de tomar foi ou não correta. Se por acaso não for, ele já me diz e fica tudo bem».
Ora, isso é antítese de tudo aquilo que define um árbitro de categoria: caráter, coragem, firmeza. É uma facada enorme na sua independência. Na sua segurança e liderança. Na forma como controla as incidências e domina os intervenientes nos diferentes momentos do jogo.
A tecnologia é um paraquedas de recurso que só deve ser aberto quando todos os outros falharam. Não é uma opção para uso frequente e não é, acima de tudo, um subterfúgio para escapar ao odioso. Os árbitros, sobretudo os mais jovens (mas não só), adquiriram este hábito terrível e é bom que percebam que isso passa deles uma imagem exterior de fragilidade.
Sei bem (e faço questão de nunca esquecer) o quão é difícil estar lá dentro, sob pressão intensa e escrutínio minucioso. Aqui ou ali, acabamos por vacilar... mas essa deve ser a exceção, nunca a regra. Errar todos erram, mas vergar na imagem é um tiro irreparável no porta-aviões da nossa credibilidade.
Metade da (boa) imagem de um árbitro assenta na qualidade do seu processo de decisão. A outra metade assenta na forma como ele vende esse processo. Nunca se esqueçam disso.