Não era para estarmos aqui
A frase tornou-se viral pela boca de uma das maiores estrelas da NBA, Kevin Durant, quando, ao receber o prémio de melhor jogador das finais de 2017, se dirigiu à mãe, aludiu às dificuldades pelas quais passou na infância e sublinhou a volta que conseguiu dar a um destino que parecia ter na meta a indigência. «Não era para estarmos aqui», disse por diversas vezes, com a mãe a desfazer-se em lágrimas à sua frente. Sabendo-se que choro é sempre a expressão máxima de um de dois sentimentos, alegria ou tristeza, os dois deviam povoar o cérebro de Wanda Durant.
Mas as alusões à alegria e à tristeza, ao choro e ao riso e à frase vêm a propósito, por estranho que possa parecer, aos 45 anos do 25 de Abril que ontem se comemoraram. Após esse dia inteiro e limpo, muito andámos, para a frente e para trás. Em termos futebolísticos, muito mais para a frente do que para trás. Mas uma das primeiras medidas da Junta de Salvação Nacional que tomou conta do país após o golpe militar que invadiu o país de alegria foi a abolição da Comissão de Censura e a implementação da liberdade de imprensa e de expressão.
No futebol de hoje em dia, muito mais por cá do que por lá fora, os clubes parecem ter esquecido este valor. Para muitos, a única coisa que interessa é a passagem da mensagem oficial porque a marca tem de ser protegida e a indústria tem de ser valorizada. Mas a marca só se valoriza e a indústria só é valorizada com transparência, clareza e, sobretudo, verdade. A verdade tout court e não a oficial, aquela que é passada pelos mensageiros dos diversos regimes vigentes, que os conseguem defender mesmo quando eles já estão a apodrecer pela base. Daí a utilização da frase. Neste capítulo, 45 anos após o 25 de Abril não era para estarmos aqui. Mas estamos. Só resta que os responsáveis por isto encontrem a saída. E que não se esteja novamente 48 anos até se chegar à porta.