Mourinho traiu-se a si próprio
O futebol quer de volta o técnico que provou ter razão quando se considerou especial
Mourinho foi primeiro um treinador antes de se tornar uma rockstar. Ou pelo menos, construiu as duas dimensões ao mesmo tempo, alimentando-se com vitórias, títulos, carisma e uma arrogância positiva muito pouco comum, tão Brian Clough. A personalidade magnética, que não deixava pedra sobre pedra enquanto simplesmente caminhava, e que era capaz de iluminar uma sala às escuras, continua lá, embora se note natural desgaste.
É que o melhor técnico português de sempre não envelheceu bem. José Mourinho reduziu-se, não foi reduzido. Diminuiu-se, primeiro, a querer ser a némesis de Pep Guardiola e, depois, de uma ideia de futebol ofensivo e de posse de bola que sempre o acompanhou, a par da estratégia, nos primeiros tempos da carreira. No FC Porto, no Chelsea e, sempre que não defrontava o Barcelona, no Real Madrid. Traiu-se a si próprio, não há outra forma de dizê-lo.
O problema não é não ter tido recursos nos últimos clubes por onde passou, é já não seduzir aqueles que os têm.Os seus mais fiéis seguidores irão sempre lembrar a Liga Europa conquistada e o Manchester United que não foi melhor depois dele, porém seletivamente deixarão de fora os mais de cem milhões pagos por Pogba, com quem entrou posteriormente em conflito, e os centrais contratados. Mourinho já teve poder de milionário, falhou e, quando tal aconteceu, a culpa quase nunca foi sua. Deixou de ser um escudo para os seus jogadores, aqueles que antes morreriam por si e acreditavam quando lhes dizia que eram os melhores do mundo, e expô-los vezes sem conta.Perdeu-os. Ou perdeu a capacidade de comunicar diretamente com a sua alma. Ao mesmo tempo, encontrou inimigos e fantasmas em árbitros e jornalistas. O pacote Mourinho, a que se junta a proposta de jogo cada vez mais deficitária, tornou-se pouco apelativa para os maiores clubes.Mourinho deixou de ser Midas. Infelizmente.
Quem o viu a chegar a Inglaterra e vibrou com as suas vitórias pelos Blues, confirmação além-fronteiras do que tinha alcançado no FC Porto, nunca iria pensar que um dia treinaria o Tottenham ou a Roma. Ou alguém é hoje capaz de imaginar Guardiola ou Klopp a fazê-lo? No entanto, foi o que lhe apareceu. E, depois dos italianos, a fasquia ainda poderá baixar mais.
Acredito que um dia Mourinho será selecionador português. Já esteve para acontecer e acontecerá. Depois de Fernando Santos, nunca achei que esta sua versão fizesse sentido como passo seguinte, já que Portugal precisava de se libertar das amarras e aproveitar o talento, todavia o seu tempo irá chegar. O Brasil, por exemplo, estará eventualmente a lamentar-se ter seguido há dias por outro caminho, embora esse casamento parecesse desde logo contranatura. Logo, voltará a levantar-se.
O importante é saber como o fará. O homem que o futebol quer de volta é aquele que provou que tinha razão quando disse: «I think I’m special!» Simples.