Opinião Meu amado prof. Manuel Sérgio (parte 2)
José Neto presta uma última homenagem ao Mestre
No dia 11 de março, o Instituto Português do Desporto e Juventude e a Cátedra Manuel Sérgio — Desporto, Ética e Transcendência, levaram a efeito uma cerimónia de homenagem póstuma ao Doutor Manuel Sérgio, realizada na Universidade Católica Portuguesa em Lisboa.
Esta iniciativa integrou a estreia do documentário Manuel Sérgio: Biografia e Dicionário de Ética e Desporto, com a curadoria do escritor Gonçalo M. Tavares e a apresentação do livro Desporto, Liberdade e Democracia coordenado pelos Doutores Alfredo Teixeira e José Carlos Lima.
Entre vários convidados, dignou-se estar presente o Secretário de Estado do Desporto, a Reitora da Universidade Católica, a família do já saudoso homenageado, Vítor Serpa (sempre presente), Dr. Laurentino Dias e claro…eu não podia faltar.
A condução do evento ficou sob a responsabilidade do jornalista Mestre Paulo Sérgio, sendo que na abertura de boas-vindas a magnífica reitora da Universidade Católica, Doutora Isabel Capeloa Gil, apelou ao significado do ato, no sentido de dar vida pós vida, justificando a ocasião para celebrar o reconhecimento pela dignidade da pessoa pela obra autenticada no modo de pensar, refletir e aplicar.
Seguidamente a Dr.ª Lídia Praça, vogal do conselho Diretivo do IPDJ, em nome do presidente pela justificada ausência, interveio com base na criação da cátedra Professor Manuel Sérgio, por sugestão do Cardeal Doutor D. Tolentino de Mendonça, resultando da necessidade do estudo DESPORTO/ÉTICA e TRANSCENDÊNCIA.
Todos fomos convidados a assistir a um filme com imagens gravadas em tempo muito recente, resultando num autêntico momento de imensa ternura evocada por palavras e imagens que jamais deixarão, tenho a certeza, de merecer uma continuada cultura de memória feita duma veia de sentimentos, coroada de alguns sorrisos, aqui e acolá escoltados por sofridas lágrimas de emoção e saudade.
Deixo em descrição alguns desses momentos: «Eu nasci e cresci entre a candura de minha mãe (por sinal iletrada, mas sapiente) e a bondade séria de meu pai (soldado praça da G.N.R. com a 3.ª Classe), família pobre, mas muito respeitada pelo meio vivido…a minha mãe gostava que fosse padre e como havia poucas posses, ingressei no seminário, mas…não tinha jeito para aquilo…tudo muito escuro…demasiado carregado, comecei a sentir-me mal naquele ambiente contracionário, até deixei de comer e vim embora, estando 2 anos a curar uma fraqueza pulmonar…mais tarde empreguei-me nas oficinas do Alfeite, onde permaneci durante 13 anos…aí fiquei a conhecer a miséria das misérias quer de ordem material, como moral…entretanto tive a alegria de me apaixonar por esta bondade feita senhora, menina muito linda (ainda agora é …) casados que estamos há 70 anos e que vida bonita nós fizemos com os filhos adorados que Deus nos concedeu…lembras-te?…espera aí … até vou aproveitar para ler um poema que de dediquei e está publicado no livro Poemas de Chuva em 1961:
SONETO DE AMOR:
Aconteceu amar-te meu amor,
Num amor que a minha alma não entende.
Mas, porque é sem motivos este amor,
Eu creio-o mesmo meu e mais me prende.
Aconteceu amar-te, meu amor,
Como um foco de luz que se desprende.
E a gente a procurá-lo em, derredor
Sem topar que é do céu donde ele se estende.
Aconteceu amar-te uma só vez
E o nosso amor de dois floriu em três…
E porque mais te quero e te idolatro
Já me vais repetindo ao meu ouvido
Que o amor de nós o três tem mais sentido
Quando, dos três que somos, formos quatro.»
Ao seu lado a ternura de encanto do sorriso da
esposa rubrica esse consentimento…e continuava de seguida: «Até
cantávamos muito. Vamos lembrar e cantar um bocadinho?!…eu tenho um amor em
Ponte de Lima ao ai e outro mais acima ao ai…e outro mais acima…E outra: ó
Ana…ó Ana, ó Ana anda cá que a mãe chama»… e de mãos dadas e sorrisos
encontrados faziam desse momento uma chama de envolvente ternura, impossível de
descrever por palavras…
E continuou: «Até que houve a possibilidade de mudar de ofício para a Direção Geral dos Desportos e a vontade de estudar, sempre sozinho…fiz o Liceu e ingressei na Faculdade de Letras, encontrando o belo moral de quem dá tudo sem nada esperar. …Os estudos de autores consagrados Michel de Foucault, Teilhard de Chardin, José Maria Cagigal, Merleau-Ponty, Ilya Progogine, etc. replicados pela reflexão pedagógica do Padre Manuel Antunes, Vitorino Nemésio, etc, deixava-me embevecido. Depois, comecei a pensar no Desporto como instrumento de trabalho… e o resto já sabem… lecionei no ISEF Lisboa que depois se converteu na Faculdade de Motricidade Humana a disciplina de Filosofia das Atividades Corporais, etc… ne tudo o que já sabem!…Ó menina [diz para quem estava a filmar] estou a ficar muito cansado…
Agora estou para aqui… e próximo do que considero, uma graça de Deus… aliás como sou um agnóstico devoto não sei se ELE existe mas cada vez mais creio que ELE habita dentro de mim… já viram este exemplo do PAPA Francisco… tendo ao seu dispor todas as mordomias papais, ele vive num colégio humilde… o tempo pede-lhe tu vais fazer isto… e ele faz o que o tempo pede… esta mensagem do tempo inserida num código de valores onde as razões da razão permitem encontrar um homem novo… não faças ao outro aquilo que não gostavas que a ti o fizessem… eu estava nu e não me cobriste… eu tinha fome e não me saciaste, etc… mas eu nunca te vi… naquele abandonado e despejado da vida era eu que ali me encontrava… isto é um fenómeno que só Deus pode explicar!…
A vida é tão difícil e ao mesmo tempo tão bela!…tenho de acreditar que a morte é a passagem duma vida para a outra…uma porta que se fecha e outra que se abre…
Aproveitando o momento de esmerado significado poético, o Doutor Manuel Sérgio citou outro dos seus poemas FOSFORECENDO, que propositadamente citarei no próximo artigo como sinal de luz que iluminará os caminhos do futuro. O auditório da Católica escutava a voz do silêncio entre lágrimas de emoção.
Foi então que, muito a custo, Gonçalo Tavares (em tempos elogiado por Doutor Manuel Sérgio, que o comparava a Eça de Queiroz), refletiu na temática da beleza da vida, feita adversidade e conquista, aplaudindo este ato de ser velho como permanente ato de humildade para que no encerramento desta tarde feita cultura, memória, gratidão e saudade pelo secretário de Estado do Desporto Dr. Pedro Dias, referir que este tipo de cerimónias existem para dignificar o reconhecimento cívico e cultural do homem para além do tempo.
Na despedida ainda tive oportunidade de beijar as mãos da distinta senhora, esposa do Doutor Manuel Sérgio, e descobri no seu olhar a beleza duma ternura, desfeita em leve e penetrante sorriso, lembrando outros eternos e carinhosos sorrisos de minha avozinha que me criou, a quem eu chamava mãe.
É assim que revisitando quem amamos, faremos que vivam mais do que a vida que viveram. Por isso jamais o irei esquecer MEU AMADO PROFESSOR MANUEL SÉRGIO.