Memórias sem preço
Jornais do mundo inteiro, as redes sociais em peso, todos aludem à vitória do Benfica numa tarde que parecia destinada a sorrir ao Peñarol
T ENHO a certeza que esta semana muitos sul-americanos, miúdos e graúdos, do Uruguai ao Brasil, passando pela Argentina do Pablito e por tantos outros países em que o futebol é religião, estarão encantados com a nova camisola encarnada do Benfica e com alguns dos seus jovens craques. Se tiverem uma ligação à internet, e têm quase todos, talvez tropecem na nova camisola amarela, que tanto indignou alguns puristas mas que já se encontra abundantemente em todas as bancadas da Luz. Em breve veremos novos exemplares numa peladinha em Montevideu, em Buenos Aires ou no Rio de Janeiro. Não é caso para menos. A equipa sub-20 do Benfica acaba de se sagrar campeã intercontinental perante mais de 40 mil adeptos uruguaios que compareceram a esta final como se a sua vida dependesse disso. É gente que gosta tanto de futebol como nós portugueses, talvez mais. E ainda bem que assim é. Não há nada melhor numa circunstância como a de anteontem do que muitas testemunhas do sucedido.
O jogo pode nem ter sido dos mais bem jogados, mas o cenário não foi menos perfeito por isso. Uma equipa do Benfica vestida de encarnado atravessou o Oceano Atlântico para decidir qual é a melhor equipa jovem do mundo. A minha primeira reação foi aborrecer-me com a viagem. Levantado o troféu, acho que torna tudo ainda mais especial. Como se a travessia oceânica não bastasse, fomos a jogo no estádio do adversário, que apresentou onze titulares com muito mais rodagem de primeira equipa, munidos de uma hostilidade familiar em equipas sul-americanos, onze rapazes tecnicamente inferiores mas apostados em intimidar os nossos. A esses onze juntaram o extraordinário décimo segundo jogador. Ainda bem que assim foi, porque só um clube em Portugal seria capaz de ter 40 mil adeptos a torcer por si numa final de um jogo de juniores. Felizmente esse clube é o Benfica, o que me leva a crer que os nossos jogadores subverteram a psicologia do jogo e jogaram em Montevideu como se atuassem para quarenta mil quinhentos e setenta e nove dos seus.
Os rapazes que anteontem conquistaram a primeira Taça Intercontinental sub-20 conseguiram um feito extraordinário que tem rareado no futebol do Benfica. Hoje, sabem que é possível chegar ao topo do mundo com o Manto Sagrado vestido. Talvez pareça pouco porque foi só num jogo de juniores, mas só quem subestimar a psicologia do atleta pode achar que uma dinâmica de vitória transversal a diferentes escalões não ajudará a criar melhores condições para manter os jovens talentos por mais tempo, sem sacrificar o modelo de negócio que garante sustentabilidade financeira ao clube. E só quem estiver muitíssimo distraído não verá o enorme impacto mediático desta conquista. Jornais do mundo inteiro, as redes sociais em peso, todos aludem à vitória do Benfica numa tarde que, pelas circunstâncias, parecia destinada a sorrir ao Peñarol. Perguntam se o Benfica é a melhor cantera do mundo, e os números dizem friamente que sim.
Benfica conquistou a Taça Intercontinental sub-20 depois de vencer o Peñarol por 1-0, no Estádio Centenário, em Montevideu, Uruguai
Para quem como eu trabalha em marketing e comunicação, há algumas máximas que geralmente são garantia de sucesso. Há duas que me parecem pertinentes por estes dias. A primeira é de que o marketing raramente permite resolver os problemas de um mau produto. A segunda é que o melhor marketing é aquele que, ao comunicar o valor de um produto, consegue que o consumidor retenha essa mensagem. Quase todas as grandes marcas vivem desta combinação. As maiores, onde se inclui Benfica, poderão ter um belíssimo produto, mas precisam de criar momentos que as façam ser recordadas. Isto é especialmente difícil numa era em que a atenção se tornou o recurso mais escasso. É por isso que tantas marcas procuram comover os consumidores nas suas campanhas publicitárias. E é por isso que no futebol precisamos de momentos capitais que provoquem emoções positivas. Trocando por miúdos, precisamos de taças como esta que os miúdos brilhantemente conquistaram. Não há nada mais memorável do que aquilo que algo ou alguém nos fez sentir. E este domingo o Benfica e estes jogadores fizeram-nos sentir um enorme orgulho em sermos deste clube. É assim que os adeptos de futebol de todo o mundo compreenderão a marca Benfica, de que tanto se tem falado ao longo dos últimos anos. Há muito que pode ser dito no powerpoint e no excel, mas a marca deve ser, mais do que tudo, consequência da entrega e do talento demonstrados pelos rapazes que foram a jogo em Montevideu.
Há um outro aspecto que confere valor às grandes marcas e faz com que sejam mais lembradas do que outras: a consistência do produto e a frequência com que criam os tais momentos que as fazem ser recordadas. É por isso que o caminho só pode ser este, sem mais nem menos ambição do que continuar a dar tudo para estar nestes palcos, nos sub-20 ou em qualquer outro escalão. Nada mais deve interessar. Não faço a mais pequena ideia de quanto custa o passe de cada um destes rapazes, e sinceramente não quero saber. Será que podemos voltar a ser todos um pouco mais assim? Não me falem em quanto dinheiro o Gonçalo Ramos pode render ao clube. Pensem antes nos golos e nas vitórias que o melhor marcador desta época poderá garantir. A alegria é essa. Num mundo em que o corolário de qualquer vitória é um debate doentio ditado pela economia de mercado, parece-me muito mais entusiasmante constatar que os nossos jovens campeões do mundo de clubes podem vir a ser uma mais-valia para o futebol do Benfica, alguns mais cedo do que talvez imaginaram. Certo, teremos de continuar a vender jogadores. Mas que não o façamos de forma prematura. Que tudo seja feito para estes rapazes terem uma oportunidade de lutar pelo futuro no clube do seu coração. Suspeito que eles retribuirão com mais memórias sem preço. Mal posso esperar!