Mediocridade atrai mediocridade
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Mediocridade atrai mediocridade

Num clube de futebol, há um saber do jogo que é indispensável. Mas, se não for complementado por outras valências, só por si é cada vez mais curto

Diz a razão que as ‘chicotadas psicológicas’ são sobretudo fruto de má planificação, e que a estabilidade, no futebol, é um bem inestimável. Mas, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Quando alguém contrata um treinador, nunca o faz a pensar que vai despedi-lo antes do final do vínculo, não só por razões desportivas, mas também de tesouraria. Porém, há momentos em que o melhor para todos – clube, treinador e jogadores – é mesmo o divórcio, e isso sucede quando se atinge aquele ponto em que toda a gente percebe que só se está a perder tempo. Ter sensibilidade para intuir o momento certo, é uma arte que muitas vezes não está ao alcance de quem, por se encontrar demasiado perto do problema, vê as árvores mas não enxerga a floresta.

Há clubes que, por conjunturas, diversas, se confundem, pela filosofia que assumiram, ou pela confiança criada, com treinadores marcantes: se quisermos um exemplo internacional temos o de Pep Guardiola e do Manchester City, se preferirmos um caso nacional ocorre-nos, de imediato, a ligação de Rúben Amorim ao Sporting. Uma coisa é certa: um dia, mais cedo ou mais tarde, Pep vai deixar os citizens e Rúben sairá dos leões, e os clubes vão continuar a sua senda, reinventando-se, regenerando-se, na certeza de que os cemitérios estão cheios de insubstituíveis.

Mas peguemos no caso do Benfica, por paradigmático. O clube, com Roger Schmidt, era uma bomba relógio à espera de rebentar, de tal forma os adeptos estavam insatisfeitos, os jogadores já tinham levado a relação com o técnico ao limite da saturação, e os dirigentes tentavam, desesperadamente, retardar o inevitável. Quando Schmidt foi substituído por Lage, a cabeça dos jogadores desbloqueou-se, os adeptos uniram-se, e os dirigentes tiveram de agarrar-se à solução encontrada, como um náufrago não larga a boia de salvação, e, quase de imediato, foram criadas condições para que o paradigma de depressão se transformasse em campo de ilusão.

É por tudo isto que, embora a troca de treinador deva ser exceção e não regra, há momentos em que se torna imperiosa, e há que desdramatizá-la. O futebol, devendo ser organizado e gerido como uma empresa, está longe de ser uma ciência exata, e o saber que se pede a quem toma decisões deve ser feito do que vem nos livros, e do que aprende no dia-a-dia, porque se trata de um negócio diferente de qualquer outro. Daí a vantagem de ter no processo quem seja profundo conhecedor do jogo, para dominar as especificidades; mas o sucesso só chegará se quem percebe do jogo se rodear de profissionais de excelência noutras áreas, que o complementem, ajudem e façam crescer, colocando-o mais perto das melhores soluções. Resumindo, há um saber único, que só quem é do futebol possui. Mas que é insuficiente, sem ajuda altamente qualificada, para gerir um clube de futebol de topo. Aliás, mutos dos titãs da indústria afirmaram que só chegaram onde chegaram por se terem rodeado por quem é melhor do que eles. Isso é liderança forte e descomplexada, porque mediocridade só puxa mediocridade.