Marega e o mote para a reflexão
A recente atitude de Marega, acertada e corajosa, despertou-nos para uma realidade maior. É importante que esse episódio permaneça vivo nas nossas memórias, porque ele projeta-nos para outra dimensão, mais abrangente e preocupante. Para uma que todos conhecemos e, na verdade, todos escolhemos ignorar.
É que a desigualdade racial é apenas o rosto visível de muitas outras que proliferam, há décadas, na nossa sociedade. Há as relativas ao género e classes sociais, ao credo e religião, à orientação sexual e até às diferenças físico-motoras ou mentais.
Quase sem noção, tratamos de forma diferente quem é, na essência, exatamente igual a nós. Esta hipocrisia só passará em momentos como este, em que nos consciencializamos que ela existe e deve ser pensada e travada.
Deixem-me pegar na questão racial para vos dar alguns exemplos, relativos apenas ao território nacional:
- 1 em cada 73 afrodescendentes está encarcerado. Esse número, em proporção, é 10 vezes superior ao que acontece com indivíduos de cor branca;
- 3 em cada 5 senhorios prefere arrendar casa a brancos. O mesmo aplica-se à venda de imóveis. A diferença estende-se até ao comportamento de alguns intermediários que agendam (ou não) visitas, em função da cor da pele;
- As condições de habitação são 7 vezes piores para os indivíduos de raça negra. Um elevado número de PALOP vive até de forma segregada (em bairros ou comunidades com outros afrodescendentes).
- A dificuldade de acesso à nacionalidade portuguesa é, muitas vezes, superior à que têm outros cidadãos (por exemplo, da União Europeia). Esse constrangimento aplica-se até a indivíduos nascidos em Portugal, que continuam a ser considerados estrangeiros;
- A mulher negra está claramente sub-representada face à mulher branca. Raramente ocupa os mesmos cargos e tem, quase sempre, funções pouco qualificadas e/ou mal remuneradas;
- Na devida proporção, a dificuldade de acesso ao mercado laboral é maior para as pessoas com pele escura. A título de exemplo, um desafio: contem quantos treinadores de cor estão, neste momento, a trabalhar em equipas portuguesas. Depois, na devida proporção, comparem com os de cor branca. Se quiserem, façam o mesmo exercício em relação às maiores ligas do planeta;
- As pessoas escuras recebem, em média, menos €103 do que as brancas, fazendo exatamente a mesma coisa. Ocupando o mesmo cargo;
- A desigualdade de tratamento nas escolas (da primária à faculdade) é grande. Os alunos PALOP chumbam 3 vezes mais do que os caucasianos e ocupam mais vezes as filas do fundo da sala (!). Brincam quase sempre entre eles, raramente com outros meninos. O mesmo acontece ao nível dos namoricos inter-raciais: são pouco frequentes.
Alguns destes dados resultam de um estudo estatístico/acervo compilado, há não muito tempo, pelo jornal Público. Assentou em bases sólidas e verificadas.
Para terminar, uma pergunta simples: quantos amigos afrodescendentes têm? Daqueles do peito, com quem passam férias, fazem negócios e dão a honra de ser padrinhos dos vossos filhos?
Exato. Tanto que temos para evoluir nesta nossa débil humanidade...