Leão sem estrela

OPINIÃO04.11.202205:30

Onde ficou a ideia de, no Sporting de Amorim, «onde vai um, vão todos»?

RÚBEN AMORIM vai completar, este fim de semana, 100 jogos na Primeira Liga como treinador principal (orientando duas equipas, SC Braga e Sporting) quando cumpre a sua quarta época na linha da frente do futebol português. Nos 99 jogos já feitos, Rúben soma 73 vitórias, 16 empates e, apenas, 10 derrotas. Repito: apenas 10 derrotas! Números, recordo, na Primeira Liga, assim distribuídos pelos dois clubes:
SC Braga — 20 jogos, 13 vitórias, 3 empates e 4 derrotas (45-24 em golos).
Sporting — 79 jogos, 60 vitórias, 13 empates e 6 derrotas (150-49 em golos).
Rúben Amorim é um treinador jovem. Cheio de potencial, bom comunicador, nem sempre bom, mas muitas vezes bom, grande conhecedor do jogo, talentoso, intuitivo, mas ainda muito jovem, e, portanto, inexperiente ainda em muitas das pedras que habitualmente surgem no caminho do futebol.
Se, como, diria Jorge Jesus, a prática é o critério da verdade, alguma prática terá ainda de ter Amorim até ficar mais apto a decidir melhor e a cometer menos erros, mais capaz de compreender, em cada momento, o que dizer ou não dizer, como falar e a quem se dirigir, para tornar menos penosos os momentos mais difíceis pelos quais, inevitavelmente, passa, sobretudo, um treinador de futebol, para quem, na hora dos insucessos, tudo, na verdade, sobra.

O que Rúben Amorim já fez no Sporting deu-lhe para encher um cartão de crédito de boas graças, admiração, empatia, elogio, reconhecimento e compreensão. Com toda a justiça. O que Rúben já fez no Sporting merece amplos e mais do que justificados elogios, e não deve Rúben parecer que ainda não fez nada no futebol, porque já fez, devolveu aos sportinguistas o orgulho de vencer, o entusiasmo de combater e renovou-lhes o espírito de ser leão! Ainda hoje, após sucessivos amargos de boca, atraso, considerável, na discussão do campeonato, eliminação da Taça de Portugal e afastamento da Liga dos Campeões, deve, naturalmente, haver quem tudo perdoa ao treinador e tudo aponta aos dirigentes, como se, no entanto, a venda de Matheus Nunes pudesse ter sido evitada, e todos sabemos, na realidade, como não podem ser evitadas por qualquer dos grandes clubes portugueses as transferências seja de que jogador for, sobretudo se a vontade do jogador for a de sair, e a vontade do jogador prevalece sempre, ainda que o proveito financeiro seja menor do que se gostaria - veja-se o caso do colombiano Luis Díaz, transferido do FC Porto para o Liverpool por verba abaixo do que certamente os responsáveis do FC Porto desejariam. É a vida do futebol. E devem os adeptos sportinguistas distinguir bem os méritos de Rúben Amorim, evidentes, mas também o esforço de uma equipa diretiva que tem procurado recuperar toda a dignidade do grande clube que o Sporting é.

AINDA sobre a transferência de Matheus Nunes, é bom que compreendamos, no caso dos clubes portugueses, a evidência de há muito a decisão sobre qualquer transferência ser, basicamente, tomada por quem compra, se é que o leitor me compreende. Um exemplo desta minha opinião (e é só a minha opinião, naturalmente): em setembro de 2020, Rúben Dias saiu do Benfica para o Manchester City não porque o Benfica tivesse acabado de ser eliminado pelo PAOK (de Abel Ferreira…) no play-off de acesso à Champions, mas por Pep Guardiola, simplesmente, o querer. E o querer, nestes casos, tem muita força. Toda a força, diria. Simplesmente!
Devemos todos, no futebol português, abandonar a ideia de poderem ser evitadas as transferências dos melhores jogadores da nossa Liga. Não, não podem. Compreendamos todos isso, de uma vez por todas. Podem, eventualmente, ser mais bem negociadas? Talvez, dependendo das circunstâncias. E os jogadores que partem ser, eventualmente, mais bem substituídos? Sim, também. Mas essas serão contas de outro rosário.
Perda de tempo é atribuir-se à saída de Matheus Nunes a causa de tudo o que de menos bom (ou mau) tem sucedido esta época ao leão, como se o leão, com Matheus Nunes e Palhinha, não tivesse, igualmente, sido incapaz de revalidar, na última época, o sensacional e merecido título de 2021.

Tenho, a propósito, desde o início, confesso, a convicção de que o Sporting talvez viesse a sentir muito mais a saída de João Palhinha (para o Fulham) do que propriamente a de Matheus Nunes (para o Wolverhampton), apesar do enorme talento de Matheus Nunes e da sua evidente capacidade para marcar a diferença no jogo e, muitas vezes, quase o poder, sozinho, resolver.
Mas Palhinha é o sinónimo de equilíbrio, e hoje, mais do que nunca, o jogo passa muito pela constante procura do equilíbrio no preenchimento dos espaços quando se tem a bola, e do equilíbrio no preenchimento dos espaços quando não se tem a bola.

Ugarte é um jovem de elevado potencial. Morita já mostrou qualidades. E eu sou um fã do jogador asiático, porque me parece que aprende com muita facilidade, executa com rigor e é geralmente muito regular, como sou fã, já agora, do futebolista nórdico, que parece começar por conhecer o jogo e só depois desenvolver as suas aptidões, para tornar mais útil para a equipa o que faz em campo, sem pensar nos benefícios individuais. O norueguês Fredrik Aursnes, escolhido pelo Benfica (ou pelo treinador do Benfica), parece disso ser bom exemplo.

VOLTO a Ugarte, sobretudo a Ugarte, para reconhecer o talento e a capacidade (até, de sacri- fício, como ficou bem demonstrado neste último jogo, resistindo, com dores, quase a uma hora do embate com o Eintracht de Frankurt) do jovem médio uruguaio, já indispensável nas convocatórias a seleção do seu país. Mas é bom não esquecermos o trabalho de Palhinha pelo pão que o diabo amassou (emprestado a Moreirense, Belenenses e SC Braga…) até, por fim, se afirmar no Sporting já com 25 anos, mais estável, maduro, sólido, experiente e competitivo, ao contrário de Ugarte, ainda, e só, com 21 anos, e menos de dois de futebol europeu.
Pedir a Ugarte que seja, já, João Palhinha, é pedir o céu e a terra. Ugarte tem de amadurecer para encontrar, ele próprio, o equilíbrio entre a agressividade e a garra sul-americana, o domínio do espaço e a pressão sobre o adversário.

Volto, agora, a Rúben Amorim, lembrando, mais uma vez, a espantosa estatística com que já se apresenta, quando estamos em véspera de o ver completar 100 jogos como treinador na Primeira Liga (na noite deste sábado, em Alvalade).
Um treinador ainda muito jovem, cheio de potencial, bom comunicador, nem sempre bom, mas muitas vezes bom, grande conhecedor do jogo, talentoso, intuitivo, mas ainda muito jovem, e, portanto, inexperiente ainda em muitas das pedras que habitualmente surgem no caminho do futebol, como referi na abertura, e têm surgido, esta época, no caminho de Amorim, muito mais do que ele certamente esperaria e os sportinguistas desejariam.

Tem sido complicada a época do leão, pois claro que tem, mas quanto mais drama nela virem adeptos, dirigentes, jogadores ou treinador, presumo que mais complicada ela se tornará. Não esquecer o complicado que foi o calendário inicial (SC Braga e FC Porto, ambos fora, logo nas primeiras três jornadas, deixaram logo pelo caminho cinco preciosos pontos, relativamente normais, noutra circunstância, muito duros por condensados no tempo…), nem esquecer a necessidade de refazer a lavoura da equipa para processar, agora, jogadores como St. Juste, Morita, Ugarte, Rochinha, Sotiris, Edwards, Trincão, Arthur, já para não falar de miúdos como Dário Essugo, Nazinho, Mateus Fernandes, Marsá, Fatawu, Rodrigo Ribeiro ou Chico Lamba. Nada pode ser feito de um dia para o outro.

O que provavelmente tem faltado a Rúben Amorim é a noção de algumas duras, e bem amargas, consequências de decisões que legitimamente toma, ou declarações que escolhe fazer. Pode a ideia estar, até, muito longe da realidade, não o sabemos, mas podemos, isso sim, considerar que não deveria o treinador do Sporting assumir a definitiva rotura que assumiu (de pleno direito) com Slimani (sem se conhecerem os detalhes e as circunstâncias em que tudo se passou) e achar que essa decisão nunca lhe traria nada de negativo, nem deveria pensar que ao (parecer, no mínimo) ser tão crítico da SAD que lhe paga na sequência da tal venda de Matheus Nunes, não estaria a desafiar a estabilidade de relações que, no primeiro ano e meio de Alvalade, assentaram num espírito de fortaleza que parece hoje, vendo do lado de fora, mais vulnerável e frágil.
Concordará Amorim que o seu discurso é hoje menos consistente, menos equilibrado, menos focado e, sobretudo, menos compreendido? Estará a parecer mais confuso, hesitante e menos seguro? Estará a deixar os jogadores mais apreensivos? Não seria mais prudente falar menos, agora que a circunstância é tão menos positiva? E, a propósito, terá ficado pelo caminho, a ideia de, no Sporting de Rúben, «onde vai um, vão todos»? Se a perdeu, bem precisa o leão de a recuperar. E depressa!