Infração nos pontapés de penálti
Para quê punir uma (várias) posições irregulares, se forem irrelevantes?
Otítulo não é dos melhores, mas faz justiça ao tema que hoje quero abordar neste espaço. As infrações que podem ocorrer aquando da marcação de um penálti são tantas que superam os vários desfechos que o pontapé pode ter (não esqueçamos que o remate pode resultar em golo, ser travado pelo poste, resvalar na barra transversal, ser defendido pelo guarda-redes ou ir diretamente para fora). O problema é que a Lei 14, a que regula esta matéria, é teoricamente funcional mas muito injusta de aplicar na prática. Aliás, se fosse sempre aplicada by the book, garanto-vos que não havia um único pontapé de penálti que fosse totalmente legal.
Quem definiu o número e circunstâncias em que ocorrem as múltiplas infrações nos penáltis não percebeu que aquele é um dos momentos mais tensos do jogo. Um momento que os árbitros têm enorme dificuldade em percecionar e que os jogadores raramente conseguem controlar: é que a tentação de ir atrás do lance, para afastar o perigo (se forem defesas) ou fazer a recarga (no caso dos atacantes) é enorme. O que as leis de jogo pedem aos atletas - que estejam a uma distância mínima de 9.15m da marca até que o remate seja efetuado - é quase desumano, sobretudo se o executante for daqueles que corre devagar, devagarinho, até chegar à bola. Não há coração que aguente nem impulso que resista. E é por isso que em todos os penáltis há infrações teóricas: ou entram defesas, ou o guarda-redes adianta os pés, ou entram avançados ou o executante faz simulação ilegal ou, mais comummente até, há entrada indevida de jogadores das duas equipas.
Peguem no exemplo do último Estoril-Sporting: estavam pelo menos sete (?) jogadores de ambos os conjuntos dentro da área estorilista quando Pedro Porro rematou, com sucesso, à baliza de Daniel Sampaio. Pela letra da lei, a ilegalidade foi demasiado evidente [n.d.r. sempre que há infração das duas equipas, o pontapé tem que ser repetido, independentemente do seu resultado], mas na prática a pergunta é esta: a infração de todos aqueles atletas afetou o desfecho do lance? Influenciou negativamente o guarda-redes ou perturbou ativamente o executante? Algum dos infratores veio a tirar benefício do facto de ter prevaricado? A resposta é não. Aquele desfecho seria exatamente o mesmo se ninguém tivesse entrado na área. E é aqui, no aspeto prático de um jogo que vale muito mais do que golos, que isto tem que mudar.
A chegada do VAR facilitou e mostrou qual o caminho para onde deve caminhar a regra:
- Se quem infringe não perturbar o executante ou o guarda-redes nem tirar vantagem direta disso, não há infração. Ponto.
Para quê punir uma (várias) posições irregulares se elas forem irrelevantes para o desfecho do lance? Se forem inócuas? Se não se materializarem, se não derem frutos nem servirem para nada? É exatamente isso que o videoárbitro faz hoje em dia neste aspeto: apenas intervém quando quem infringe tira partido da infração. Se não tirar, não se mete porque a lei não deixa. E no jogo do Estoril - como na partida do Dragão, onde aconteceu o mesmo, mas de forma bem mais discreta - não houve vantagem de quem infringiu, logo.... que siga a dança.
Até que a lei mude, mantemos este problema. A letra que diz quase tudo é ilegal, também diz VAR, só vale a pena dizeres qualquer coisa quando a infração tiver causa-efeito. Os árbitros, também eles a viver ali momento importante do jogo, ficam com o ónus pesadíssimo de ter que ver tudo e mais alguma coisa: o executante, o guarda-redes e a possível entrada descarada e prematura de um, cinco, dez ou quinze jogadores que por ali andem. Não faz sentido, é injusto e tem que mudar. Vai ter que mudar.