Imagem de uma pessoa a teclar com dois monitores à frente dela
Cada vez são mais as pessoas que se escondem atrás de um teclado (Foto: D. R.)

Impunidade, doce impunidade... até quando?

OPINIÃO07.01.202508:45

O poder da palavra é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, antigo árbitro internacional

Hoje em dia, é quase impossível viver-se sem internet. Há ainda uns quantos heróis que resistem ou não se deixam seduzir pelas maravilhas do mundo mágico, mas é seguro afirmar que serão menos, muito menos, do que a imensidão de almas que rendeu-se em definitivo às infindáveis opções da world wide web.

As redes sociais, fenómeno daí decorrente e que emergiu em força à entrada do milénio, são hoje a nova forma de interação e socialização. Os benefícios são inúmeros, os prejuízos também. Ganha-se numas coisas, perde-se noutras. Depende da uso que se dá, da importância que se atribui. Depende da obsessão ou da necessidade. É como é.

Uma das maiores atrocidades que Facebook's, Instagrams e X's trouxeram à superfície foi a legitimação da criminalidade. Todos os dias um número incalculável de pessoas cometem crimes que escapam à devida punição. Só por cá, no nosso cantinho à beira-mar plantado, há milhares e milhares de ofensas, injúrias e ameaças explícitas sobre outras pessoas, empresas ou instituições. Há rumores lançados maliciosamente, há mentiras plantadas para confundir, enganar, baralhar. Umas vezes, por opção perversa e estratégica (as mais censuráveis), outras por desabafos emocionais de gente mal preparada ou resolvida. A verdade é que são poucos, muito poucos, aqueles que são chamados à justiça para responder pela violação de tantos e tantos preceitos previstos no nosso Código Penal.

Compreendo que seja difícil às autoridades portuguesas rastrear tanta malandrice online, mas isto já acontece há muitos, muitos anos. Não é de hoje nem de ontem. Parece-me que já era tempo de começarmos a ver outro tipo de avanços em matéria sancionatória. Em termos de resultados e perceção de justiça. Sejamos honestos: muito do que se diz e escreve atrás de um teclado daria ordem de prisão imediata, se fosse falado pessoalmente. A sensação que dá é que vivemos em dois universos paralelos: um virtual, em que tudo é permitido, outro real, onde as regras funcionam (mais ou menos bem) para todos.

As reações ao que acontece no futebol, mais até do que na própria política, são um mundo à parte. É impressionante como é que existem tantas páginas, blogs, fóruns, sites, canais e afins, exclusivamente dedicados à disseminação de ódio e mentira. Ao branqueamento do crime. E é igualmente impressionante a quantidade de gente que segue fanaticamente cada um eles, alimentando-lhes a força com comentários do pior que se pode ler. É estranho constatar que gente que, no cara a cara, encolhe-se, esconde-se e é discreta, acabe depois por se transvestir de vilã, disparando todo o tipo de impropérios e palavrões nas plataformas digitais.

Nestas realidades distintas, a do online tem permissão para tudo.

Um dos bons exemplos de cibercrime são os cometidos em relação a árbitros. Para quem ainda não reparou, a dica é fácil: vejam os comentários às nomeações a cada jornada, sobretudo as que envolvem os jogos dos chamados grandes. Leiam com atenção as barbaridades que são escritas sobre a honra, idoneidade e bom-nome de quem é nomeado (e tantas vezes, das suas famílias também). São centenas e às vezes milhares em cada post. Ódio puro, memória parcial, verdades omitidas ou adulteradas, palavreado ordinário escondido em asteriscos para escapar à moderação ineficaz. Um esgoto a céu aberto de crimes de algibeira, pela pena de gente infeliz, mal formada ou apenas ressabiada. A pergunta é simples: e quem defende o direito dos ofendidos? Quem os protege de tanta agressão verbal? Como, de que forma? Quando?

E já agora, até quando? Até quando é que vai valer este bater no ceguinho, que magoa e afeta quem lê? Porque quem lê é gente que sente.

Esta sensação, a de que o crime compensa, transporta-nos para uma ideia de que as coisas não funcionam como deviam.

É pena. Este país tem obrigação de proteger os bons dos outros.