If you love football you love Roger Schmidt

OPINIÃO20.09.202206:30

Roger Schmidt parece mesmo ter percebido o Benfica, os benfiquistas e o momento em que a sua história se cruzou com a do clube

13 jogos oficiais, 13 vitórias. Penso que já não faz sentido falar do momento, essa efemeridade que tantas vezes nos leva da depressão à euforia em poucos dias, e vice-versa. Isto parece ser, de forma muito clara, mais do que um momento. Os primeiros meses deste Benfica 2022/2023 valeram por anos. É difícil não sorrir perante as alegrias que a época já nos deu, mesmo sem ter valido um único título. Parece pouco, e por enquanto é, mas o Benfica pedia por estes dias uma mudança fundamental. Os adeptos não precisam apenas de regressar às vitórias. Tinham mesmo de esvaziar a cabeça de tristes memórias e fazer as pazes com a modalidade, que tantas vezes foi destratada nas últimas épocas. Aqui chegados, os factos são incontornáveis: se somarmos todos os momentos do melhor futebol a que pudemos assistir desde a saída de João Félix, penso que não tivemos 3 meses de igual qualidade comparável a esta.
 
Há algumas razões para o sentimento de euforia e de confiança que se vive hoje no Benfica, e a principal chama-se Roger Schmidt. Mesmo correndo o risco de vir a engolir estas palavras, sinto que os primeiros 3 meses do trabalho desta equipa técnica são amostra mais do que suficiente para podermos dizer que tudo mudou no Benfica que vai a jogo. Schmidt tem sido muito sóbrio nas suas entrevistas antes e depois de cada vitória, mas uma entrevista recente à publicação alemã Kicker permitiu saber um pouco mais sobre aquilo que tem sido a experiência de Schmidt em Portugal. 

A entrevista tem um par de semanas e já correu os jornais e noticiários, mas guardei dessa conversa a mesma alegria de alguém que, chegado a Portugal, se apresentou dizendo que “if you love football you love Benfica” (se amas o futebol amas o Benfica). Nesse dia aquela afirmação pareceu-me um golpe de comunicação charmoso mas esvaziado de real significado. Entretanto os dias foram passando e não voltei a ouvir Schmidt. A partir daí vimo-lo sorrir discretamente e pouco ou nada dizer, isto enquanto preparava o trabalho, sem que ainda se soubesse que plantel teria à sua disposição ou se o seu currículo pouco recheado de títulos seria suficiente para produzir o impacto ou a terapia de choque necessária a um clube onde não se permitem anos zero. 
 

Roger Schmidt «parece também o melhor reforço da comunicação do Benfica nos últimos muitos anos»


35 golos marcados, 7 sofridos. Uma avalanche de futebol ofensivo. Um futebol de apetite voraz pela baliza adversária, que tem mostrado conforto frente a todos os adversários, mesmo quando defronta os autocarros instalados nas balizas dos adversários que visitam o Estádio da Luz. A capacidade de tirar partido dos jogadores, garantindo que estes podem ser quem são dentro de campo e não autómatos subjugados a uma ideia de jogo. A opção convicta pelos jovens da casa, que esta época nos deu o regresso do enorme Florentino e nos tem dado a conhecer um autêntico talento geracional, esse acontecimento que dá pelo nome de António Silva, que nem vou elogiar mais porque tenho medo de dar azar. Mas sinto que corro menos riscos em relação ao treinador. Roger Schmidt compreendeu a missão, como o próprio explicou à Kicker: “trabalhar para os adeptos se orgulhem do que a equipa faz em campo”. 

Mas não há só orgulho naquilo que a equipa faz em campo. Seria fácil resumir estes primeiros meses a uma excelente coleção de futebolistas (que é inegável), mas seria injusto e um retrato curto da realidade. É mais do que isso. Roger Schmidt parece mesmo ter percebido o Benfica, os benfiquistas, e o momento em que a sua história se cruzou com a do clube. Talvez tenha encontrado no Benfica, pelo menos assim desejo, o clube certo para maximizar as capacidades e o potencial demonstrado nos clubes anteriores.  

Mas há mais. Num futebol em que os maiores talentos com a bola no pé depressa emigram de um pântano feito de selvajaria, opacidade, desconfiança, chica-espertice, incompetência, e figuras do velho mundo que dependem do futebol para evitar a irrelevância, Roger Schmidt fez exatamente aquilo que se esperava de um treinador estrangeiro. Mandou às malvas todas as novelas do futebol português e persiste, polémica após polémica, pergunta rasteira após pergunta rasteira, como um exemplo raro de civilidade. Não parece apenas o melhor treinador que o Benfica podia ter contratado para este momento. Parece-me também o melhor reforço da comunicação do Benfica nos últimos muitos anos.

Qualquer treinador sabe que o caminho mais curto para o coração dos adeptos é uma série de 13 vitórias consecutivas. Sejamos realistas. Roger Schmidt podia ter-se revelado um fanfarrão mal formado e demasiado seguro de si, e mesmo assim teria o entusiasmo dos benfiquistas. Mas, após anos de degradação institucional e de algum desrespeito pelos cargos mais importantes da vida do Benfica, não é só importante que os benfiquistas se orgulhem daquilo que a equipa faz dentro de campo. É também fundamental que se orgulhem de quem os representa fora do relvado. 

Não deixa de ser curioso, e matéria para reflexão, que o maior motivo de orgulho fora de campo seja hoje um alemão que até há poucos meses mal conhecíamos. Ainda não sei se isto vai acabar como todos desejamos, mas devolvo o elogio que me ocorreu após a vitória em Turim: “if you love football you love Roger Schmidt”. O nosso alemão diz que de vez em quando “tem de se beliscar” para ter a certeza que um clube como o Benfica surgiu no seu caminho. Eu também me tenho beliscado, Roger. Continua a fazer-nos sonhar.