Guardem-se os lenços brancos e os ânimos exaltados
Escrevo estas minhas primeiras linhas em A BOLA antes de começar o Benfica-Sporting da primeira mão das meias-finais da Taça de Portugal. Faço-o, não porque a isso tenha sido obrigado pelo jornal, cuja Direção gentilmente me deu abertura para entregar o texto após o jogo, mas para vincar uma ideia: o Sporting não pode ter bruscas alterações de humor, ao sabor dos resultados. Ao contrário, necessita de uma estratégia, de um plano, de um rumo que o faça voltar, sem arrogância nem fanfarronices, ao lugar devido no futebol português. Por isso, independentemente do resultado da noite de ontem, não pretendo desviar-me desta linha.
Isto não significa que tudo esteja bem, incluindo neste tudo o treinador, a equipa e a Direção, mas entendo que cada sportinguista deve ajudar na busca de uma solução estável. Por isso mesmo, guardem-se os lenços brancos, os ânimos exaltados (seja quando perdemos 4-2 com o Benfica em casa, seja a ganhar 6-1 fora, na Liga Europa) e pensemos no que podemos inovar, refazer e melhorar na casa sportinguista.
O que se passa convosco?
Sabe-se que o presidente Frederico Varandas foi ao balneário perguntar aos jogadores (e ao treinador?) o que se passa com eles. Do meu ponto de vista, fez bem. É preciso estar presente nos bons e maus momentos, é necessário incentivar e também criticar (embora no último caso não seja avisado fazê-lo em público). Ora, o presidente do SCP já dera uma entrevista, antes do jogo com o Benfica, em que ficara a meio caminho da crítica pública com algumas considerações, a meu ver infelizes, sobre a equipa. Mesmo as críticas a Luís Filipe Vieira, ao Benfica pelo E-toupeira e à arbitragem, embora ajustadas, não deveriam ser feitas pelo presidente. As equipas diretivas têm várias pessoas que o podem fazer com eficácia e óbvio beneplácito presidencial, permitindo que o presidente seja uma reserva, uma referência congregadora e exemplar, não só no âmbito do clube como no âmbito da totalidade do mundo futebol. Não tem de ser o adepto comum nem o primeiro dos hooligans. Foi isto que, no passado, não foi percebido por quem quis o Sporting igual aos outros; precisamente o contrário do que deveríamos entender: que os outros devem ser como o Sporting.
O que se passa com a equipa? Sim, é bom perguntar, é bom analisar. Mas é, igualmente, bom não esquecer que o que se passa é resultado do modo como a equipa foi construída. Quase sem pré-época, casuisticamente, sem projeto, com um presidente da SAD (Sousa Cintra) cheio de boas intenções, mas sem meios, e com a atual Direção que herdou uma manta de retalhos, porque não podia ser de outra forma. Há culpados nestas falhas e nenhum deles está aqui mencionado.
E o que se passa connosco?
Como já disse, não me parece que lenços brancos façam algum sentido. Querem despedir-se de quem? Do treinador contratado há três meses (e com quem se ganhou a Taça da Liga, por pouca importância que esta tenha)? Do presidente que foi eleito em setembro? Do Estádio? Dos adeptos? Compreende-se a frustração, também a sinto. Mas, uma vez mais, apelo à memória. Não ganhamos um campeonato desde 2002. A nossa Academia, pioneiríssima na formação decaiu; fizeram-se compras e asneiras grossas.
Encaremos, pois, a realidade, quando todos sabemos que depois do assalto a Alcochete e da saída de quase meia equipa, os vaticínios eram de que o nosso Sporting estivesse, por esta altura, a meio da tabela.
De que precisamos, então?
Penso que, em primeiro lugar, precisamos de profissionalismo na Direção do clube, na SAD e na orientação da equipa de futebol profissional. Um plano bem delineado impede-nos de andar ao sabor dos cantares de sereia de agentes de jogadores ou de alguns autoproclamados especialistas, menos ainda ao sabor dos humores de uns tantos sócios. Precisamos de voltar a ter profissionalismo e disciplina que foram destruídos na Academia; de reafirmar a nossa tradição de fazedores de campeões; de rentabilizar jovens, depois de os colocar em campo com as nossas cores deixando-os brilhar.
E precisamos de ser os paladinos da verdade desportiva. Como disse o presidente, sem VAR não teríamos ganho a Taça da Liga. Sem VAR, o jogo de domingo em Alvalade podia ter sido um massacre maior. O estilo de crítica que Keizer fez ao árbitro que nos calhou contra o V. Setúbal, há pouco menos de 15 dias em Alvalade, parece-me o tom certo. Disse o holandês, depois de uma arbitragem, no mínimo manhosa, de Hélder Malheiro: «Nunca vi melhor na minha vida».
E precisamos de paciência. Muita. Mas essa é uma virtude dos sportinguistas que sempre acompanharam o clube nos bons e maus momentos. A adesão a um clube é, sobretudo do domínio emocional, mas escusamos de perder toda a racionalidade, sobretudo quando mais necessitamos dela.