Ganhar não é a única forma de tornar o Benfica maior

OPINIÃO31.08.202107:00

Querer um Benfica que pugna pela absoluta seriedade não é querer um Benfica diminuído

AGOSTO chegou ao fim da melhor forma, com o apuramento para a fase de grupos e uma liderança isolada e merecida no campeonato. Termina o primeiro mês da temporada e a esperança dos benfiquistas ressurgiu com força. Era tudo o que se queria de um mês que tinha tudo para nos atirar ao tapete ou para nos fazer acreditar em novos começos, mesmo que os protagonistas quase não tenham mudado. É verdade que pouco ou nada mais parece importar quando a bola entra e se ganha repetidamente, mas, da mesma forma que espero que o presságio deixado por agosto se confirme e o Benfica seja temido em todos os recintos desportivos esta época e em todos possa sair vencedor, espero também que o engrandecimento por via do desempenho desportivo possa ser acompanhado pelo engrandecimento dos restantes participantes na vida do clube e, em especial, da conduta daqueles que vierem a servir o Benfica após o ato eleitoral que se avizinha.

Aquilo que espero do futuro empresarial, organizacional, cultural e político é muito mais do que cabe nesta página semanal, motivo pelo qual regressarei ao tema. Começo pelo aspeto que mais me inquieta hoje: a dimensão moral dos protagonistas da vida do clube. Não ignoro o contexto e acho que não ganhamos nada em fazê-lo. Em vésperas de marcação de eleições, a minha expectativa é que a próxima liderança consiga, reconhecendo a especificidade que subjaz a um clube de futebol, consagrar princípios que não façam do Sport Lisboa e Benfica um espelho daquilo que muitas vezes mina a fé nas grandes instituições. Aspiro a que a identidade do meu clube seja tangível no relvado e cristalina fora dele. Que possamos nutrir não apenas paixão pelos artistas de chuteiras, mas também admiração por aqueles que nos representam nas restantes instâncias da vida do clube, desde os membros dos órgãos sociais do clube a todos os que decidirão parte do nosso futuro enquanto administradores ou funcionários da SAD.

Espero que os novos protagonistas sejam isso mesmo: novos. Compreendo a dificuldade que tal expectativa parece colocar, mas seria importante que os próximos protagonistas se encontrassem desligados do passado recente do clube no que toca ao exercício de funções. Quando digo isto suscito por vezes uma reação que considero curiosa. Sempre que alguém pede novas formas de pensar e de estar corporizadas em novas pessoas - e há uma pulsão que clama por isso entre os associados - há logo quem procure assustar as multidões implicando que se deve preferir o certo ao incerto, que isto não está para aventureiros, como se o certo não nos tivesse trazido inúmeros dissabores, ou como se os aventureiros nestas histórias não tivessem muitas vezes sido as caras que conhecíamos há mais tempo. O Benfica deve aspirar a ser conservador e zeloso em tudo aquilo que o define, mas só uma visão transformadora do futuro do clube permitirá chegar a resultados diferentes.
 

Rui Costa assumiu a presidência do Benfica após a saída de Luís Filipe Vieira e prometeu eleições até ao final do ano


Espero que os velhos protagonistas, se continuarem protagonistas, sejam mais claros quanto à sua relação com o passado. Só assim podem conduzir o Benfica rumo ao futuro, ao invés de o fazerem rodopiar sobre os seus próprios fantasmas. Esse erro irá, mais cedo ou mais tarde, fragilizar todos os que nele insistirem. Saúdo genuinamente o anúncio de uma nova era de transparência na vida do clube feito pelo presidente interino, mesmo sabendo que ninguém promete opacidade aos eleitores. Agora há que fazer desse tema uma prioridade absoluta e não uma palavra esvaziada de consequência. Quanto a isto, só liderando pelo exemplo. Há muito por esclarecer quanto aos anos da última presidência do Benfica. A melhor forma de prevenir ou ultrapassar climas institucionais capturados pela presunção de culpabilidade, como hoje acontece de alguma forma, é quanto a mim uma saudável alternância democrática. A segunda melhor forma de o fazer será que os velhos protagonistas agora tornados novos sejam capazes de demonstrar um compromisso radical com a transparência. Querer um Benfica que pugna pela absoluta seriedade não é querer um Benfica diminuído. Este é um desafio enorme que, aliás, deveria nortear a atuação de toda a indústria do futebol. Que o Benfica lidere esse processo, não porque daí se espera alguma espécie de vitória moral sobre os demais, mas porque daí resultará um clube mais forte em todos os capítulos.

Espero que os novos protagonistas impeçam os novos protagonistas de se tornarem protagonistas eternos. Independentemente de outras considerações que possam ser tecidas, o passado recente do Sport Lisboa e Benfica torna este tema incontornável. Não podem existir lideranças perpétuas no clube. É o que nos faz confundir as lideranças com o próprio clube, que é eternamente superior a quem tem o privilégio de o dirigir. A melhor forma de garantir que ninguém excede o seu prazo de vida ao serviço do Sport Lisboa e Benfica é só uma: garantir que os estatutos impedem essa fatalidade.

Espero que os novos protagonistas abracem a natureza democrática do clube. O imperativo da estabilidade não pode minar o funcionamento da democracia no Benfica. O próximo ato eleitoral é uma oportunidade imperdível de pôr esses pontos nos is. Um regulamento eleitoral, debates no canal do clube, uma cobertura isenta do ato eleitoral, e uma utilização dos meios de comunicação do clube para servir o clube e os associados, nunca um incumbente. Qualquer liderança surgida num contexto em que se pode pensar e discutir de forma civilizada, ampla e plural o futuro do clube, será mais forte e respeitada.
Chegado aqui, é possível que alguns leitores me tenham catalogado como um perigoso revolucionário. E sim, talvez a minha expectativa implique muita mudança. Mas eu diria que sou apenas um adepto apaixonado do Sport Lisboa e Benfica que apoia tudo aquilo que entende poder tornar o clube maior e e os seus protagonistas mais respeitados por todos, começando pelos benfiquistas. Eu sei que às vezes parece, mas não é pedir muito.