Falar de milhões é fácil, mas quem se lembra dos tostões?
Joaquim Evangelista é o presidente do Sindicato dos Jogadores (FPF)

Opinião Falar de milhões é fácil, mas quem se lembra dos tostões?

OPINIÃO10.07.202412:00

Por cada jovem jogador que chega à primeira divisão nacional (para não falar do resto), há milhares que ficam pelo caminho. É fácil apontar o dedo, é mais difícil pensar

Poucas horas antes de Lamine Yamal, Nico Williams, Olmo, Mbappé, Hernández ou Griezmann desfilarem no maior palco da Europa, o dos milhões, duas dúzias de futebolistas de Portugal treinavam-se no Complexo Desportivo do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, em Odivelas, ao abrigo de uma iniciativa chamada «Estágio do Jogador».

O «Estágio do Jogador» é um eufemismo para «estágio de jogadores que iniciam a época desempregados, sem clube onde jogar». Parece um estigma? Talvez. Mas o «Estágio do Jogador» é uma excelente iniciativa do Sindicato, cuja ideia original remonta a 2001, ainda sob a liderança de António Carraça. Foi interrompida durante dois anos e retomada em 2004, já com Joaquim Evangelista à frente da direção.

O «Estágio do Jogador» fez o seu percurso. Realizou-se durante muitos anos no Estádio Nacional e desde 2018 tem lugar na Academia do Jogador, em Odivelas, o centro de treinos do Sindicato. Só isto já demonstra uma evolução.

Feita a média a todos estes anos, há uma taxa de empregabilidade na ordem dos 66 por cento. Dois terços dos jogadores que passaram por esta etapa menos expectável e mais dolorosa conseguiram clube na respetiva época. Podíamos elencar nomes e exemplos, alguns eventualmente surpreendentes, mas não é isso o mais importante.

O importante, mesmo, é que todos quantos giram em torno do futebol percebam que há o lado dos milhões e o lado dos tostões. Já agora, num tempo marcado por demagogias de direita e alvos fáceis, era importante que quem enche a boca com os chavões dos «milhões que se ganham no futebol» pensasse nas dezenas de milhares de praticantes que pouco mais têm que tostões. Que gostam de uma atividade, se embriagam com a possibilidade de sucesso e acabam a ganhar os tais tostões durante 10 ou 15 anos, para acabarem uma carreira aos 35 anos sem eira nem beira.

O Sindicato de Jogadores (engraçado falar de sindicatos hoje em dia, não é?), como é sua obrigação, tem-se preocupado com estes temas. E por isso, além de promover iniciativas como esta de mostrar jogadores ao mercado, tem insistido na importância das carreiras duais — simplificando ao máximo: estudar enquanto se joga.

Cabe aos pais, avós, encarregados de educação, tutores, treinadores ou seja quem for que se responsabilize pelas nossas crianças e jovens serem os primeiros a perceber que os milhões estão guardados para poucos, muito poucos. Por cada futebolista milionário há mais de mil futebolistas frustrados. Devia ser a vida, mas há gente que não o percebe.