Falar de futebol é uma chatice?
Sérgio Conceição em Montjuic (Foto: Pressinphoto/IMAGO)
Foto: IMAGO

Falar de futebol é uma chatice?

OPINIÃO09.12.202309:49

O treinador moderno tem de saber coordenar um grupo de técnicos que sabem mais do que ele em áreas decisivas para melhorar a equipa

Sérgio Conceição diz que está um bocado farto que lhe façam perguntas banais e que ninguém pareça interessado em falar de futebol. Ora falar de futebol é ir à raiz das causas e dos efeitos gerados por uma equipa. Falar de futebol é explicar que já não há equipas que joguem só à defesa ou só ao ataque e que durante um jogo inteiro, é natural que haja ciclos diferentes de superioridade no jogo. Tal como é interessante descobrir algo de que Sérgio também falava na sua última conferência de imprensa e que se prende com a complexidade da dinâmica de onze jogadores num espaço limitado por um retângulo de relva.

E mesmo correndo o risco de estar a falar para o boneco e de matérias que pouco animam audiências, Sérgio atreveu-se a dizer que já muitas vezes mudou o sistema de jogo da sua equipa. Porque, no ataque, o envolvimento dos alas em zonas mais interiores pode mudar a configuração apresentada no ecrã; ou a ação, mais ou menos penetrante, dos defesas laterais; ou o recuo do ponta de lança, como acontece, tantas vezes, com Taremi, para ajudar a resolver o problema de não haver um jogador como Otávio. Num sistema, há muitos subsistemas e nem sempre são inteligíveis no meio das euforias das bancadas.

Há, no entanto, uma elite de comentadores que se aproxima de uma ideia de entendimento do jogo através do uso de um futebolês mais técnico. Foi daí que vieram as segundas bolas, o futebol vertical, as equipas subidas ou descidas, as pressões altas e depressões baixas, as diagonais dos médios, as transições rápidas, os segundos e os primeiros postes, os médios ofensivos e os médios defensivos, que já foram trincos e cabeças de área, tudo termos caídos em desuso.

O domínio da nomenclatura técnica do jogo não garante, porém, o domínio do dito jogo. No entanto, causa boa impressão e dá uma ideia de que para se saber de futebol não basta gostar de futebol e de ir ao estádio ano após, mesmo que seja por muitos anos.

Deve, no entanto, dizer-se, em abono da importância e da complexidade do trabalho do treinador de futebol, que se trata, hoje em dia, de uma atividade cientificamente exigente. Mais do que importa saber ler o jogo e escolher os melhores onzes, é fundamental dominar a dimensão de uma liderança competente de um grupo multidisciplinar e que forma, no seu todo, a chamada equipa técnica. Hoje, como acontece em todos os setores da vida pública ou privada, não existem homens ou mulheres providenciais. E sendo habitual considerar-se que um treinador é um líder solitário que perde jogos e nunca os ganha, a verdade é que o treinador de futebol não é, nem o responsável por todas as derrotas, nem o ser neutro que gosta de afirmar ser em todas as vitórias. O treinador de hoje tem de saber ser um líder moderno e, por isso, capaz de trabalhar e de coordenar quem sabe muito mais do que ele em matérias fundamentais para tornar melhor o rendimento da equipa e de cada um dos seus jogadores.

A verdade é que o futebol evoluiu muito mais do que a maioria dos seus adeptos pensa. Uma maioria que continua a achar, sem que isso deva constituir uma crítica, que falar de futebol a sério é uma chatice. A verdade é que podemos gostar de ver uma noite de estrelas e não ter paciência para ouvir um o científico discurso de um astrónomo. Mas também é verdade que sem o astrónomo continuaríamos sem perceber que algumas estrelas que vimos brilhar nos céus já nem sequer existem. Salvaguardando as devidas proporções, temos de aceitar que um treinador de futebol profissional tem um conhecimento técnico específico, que não deve ser desvalorizado.