Desporto Português 2023, caminho a seguir (continuação)
Governo deve ter mente aberta à realidade

Desporto Português 2023, caminho a seguir (continuação)

OPINIÃO04.11.202309:34

Urge encontrar para o desporto português um princípio estratégico mobilizador

Enfrentamos hoje um enorme desafio, quer a nível nacional, como em particular no desporto português. Refiro-me a sabermos o que pretendemos atingir e como fazê-lo, envolvendo nessa tarefa tudo e todos.

Neste caso concreto, tenho como objetivo debruçar-me mais em particular sobre o desporto português e respetivo caminho a seguir no futuro próximo. Sem invalidar saber que, aqui e ali, no nosso dia a dia desportivo vão surgindo movimentos associativos e federativos que apontam também para essa meta.

Mas compreendam por favor a minha preocupação! Todos percebemos que o nosso todo a nível nacional está longe de ser maior que a respetiva soma das partes. Aliás, tal como acontece em algumas equipas de alto rendimento em que, apesar de individualmente se apresentarem por vezes mais fortes, o respetivo coletivo está longe de atingir o potencial que revela.

E atenção! Ninguém me ouvirá dizer que no passado é que era bom, porque não era. Comparativamente, estamos naturalmente melhores que há vinte anos. Simplesmente, face às mais valias que apesar de tudo fomos adquirindo, não estamos hoje no plano internacional onde poderíamos estar. Longe disso.

Mas então como consegui-lo?, perguntarão alguns. Obviamente, não existem receitas tipo solução mágica. Urge sim definir um caminho que devemos prosseguir paulatina e obstinadamente. Onde desempenharão uma ação decisiva a Liderança nacional e a Visão que nos faça acreditar que é possível, tal como a estratégia política a utilizar e o trabalho em equipa que Clubes, Associações Regionais, Federações, Confederação, Comité Olímpico sejam capazes de empreender.

Questão central? Respeito pela individualidade de cada um, enquanto pessoa, treinador, dirigente, Clube, Associação regional, Federação, Confederação, Comité Olímpico, etc. Respeito esse que começa afinal no modo como quem lidera aprofunda o seu autoconhecimento. Também na necessária honestidade nas palavras e coerência das ações que leva a cabo.

Quem mente ou é incoerente relativamente ao que diz defender não é naturalmente confiável. Consegue sim a nossa confiança se demonstra diariamente ser capaz de estar para além do seu próprio umbigo.

Antes do mais, urge encontrar para o desporto português em geral um princípio estratégico mobilizador. Um guia orientador da intervenção social, política e desportiva a ser desenvolvida. Juntando-lhe valores e cultura quanto baste. Idem sabendo e exigindo a todos nós sermos criativos e autónomos, revelando paixão, gostando daquilo que fazemos, acreditando em nós e nos outros, confiando para ser confiável, sentindo os desafios do País e da organização a que pertencemos, como se fossem os de todos nós.

Quando se trata de ambicionar a excelência, também a organização e a disciplina têm uma palavra a dizer. No âmbito da disciplina, uma vez estabelecidas as regras iniciais, ela deve ser assumida sem qualquer tipo de dramas. Disciplina assumida, auto preparação e responsabilização individual como ingredientes de decisiva importância. Tudo isto a começar o mais cedo possível. Junto da Família, na Escola, no Clube, etc. Cumprimento de horários e das regras da vida coletiva previamente estabelecidas, o respeito que é devido a companheiros de luta e a quem se nos oponha. Segundo Thomas Peters e Robert Watman no seu livro Na senda da excelência (Publicações D. Quixote): «Quando alguém se submete sem reivindicações a horários como os de entrar às nove e sair às cinco da tarde, ou a um treino e preparação que o força a ultrapassar os limites da sua zona de conforto, tal só se compreende quando existe algo de importante para além disso e que conduz essa pessoa a sentir a importância de o fazer (orgulho de pertença, necessidade de sobrevivência, etc.). Mas em paralelo com isso, mesmo quando nessa situação, essa mesma pessoa sente uma enorme necessidade de se destacar individualmente. Temos de abrir exceções à teoria tradicional da gestão. O modo como os seres humanos trabalham, individualmente e em grupo, exige-nos isso mesmo. Em vez de jogos intelectuais na torre de marfim, o gestor tem de moldar e formar os valores e ser como um treinador de uma equipa ou o evangelista religioso, ganhando e envolvendo tudo e todos para a excelência. Onde os valores da improvisação se sobreponham aos da previsão, se lute por oportunidades em vez de existirem restrições, se descubram novos modos de atuar em vez de preservar os antigos, se dê mais valor aos argumentos e disputas do que à serenidade, se encoraja a dúvida e a contradição em vez da crença na organização.»

Tudo isto demonstra que o interruptor do sucesso que buscamos está longe de ser aquele que ao longo dos anos procuraram impingir-nos! Bem pelo contrário! A realidade exterior, pela sua diversidade e constante mutação, requer que sejamos autónomos e não propriamente robots! Exige que as nossas expectativas individuais sejam respeitadas e nos proporcionem retorno constante acerca do que estamos a fazer bem ou mal. E acima de tudo que seja reconhecido de uma vez por todas que, no futuro, não será simplesmente por via do saber/conhecimento e das novas tecnologias que acontecerá a diferença para melhor. O que verdadeiramente nos distinguirá será o nosso comportamento individual e coletivo! Como aliás assim o confirmam os mesmos autores atrás citados, ao dizerem-nos que no futuro «a diferença existente nas organizações ditas excelentes residirá no facto de no seu interior existirem colaboradores pragmáticos, inovadores e dispostos a varrer a burocracia».

Mas não só, pois falta ainda algo muito importante. Para haver superação, tem de existir pressão, exigência, aqui e ali mesmo adversidade. Quase sempre, é na dificuldade que nos transcendemos na busca da concretização de determinados objetivos. O que nos deve levar a concluir que, para que individual e coletivamente consigamos a devida superação, o meio ambiente que nos rodeia deve conter esses ingredientes fundamentais.

Alerto também para o que constitui neste tipo de projetos uma dificuldade acrescida. A mente de quem lidera por vezes mente-lhes, engana-os. Como acontece em relação a qualquer um de nós, por vezes a mente de alguns líderes produz interpretações enganadoras da realidade que os rodeia. No livro Bem aventurados os que ousam de Isabel Abecassis Empis (Oficina do Livro), encontrei a justificação para a forma como tal acontece: «A mente, no seu lado reativo anárquico e inventor de medos e perigos, pode levar-nos a não sentir a realidade dos factos e a reagir antecipadamente, em vez de os sentir. É uma mente que mente. Mente a realidade, deforma-a e torna-a na nossa realidade, substituindo-se aos nossos talentos. Passamos assim a viver, sem nos darmos conta, como uns trapalhões, atrapalhados e atropelados.»

Embora por vezes pareça, obviamente, a generalidade dos nossos líderes não nos mentem. Mas muitas vezes a sua mente engana-os. Mas não só! Pelos vistos, leva-os também a perderem por completo o bom senso. Ainda me lembro quando há uns anos, perante uma determinada plateia, um ministro da nação afirmou que era uma pessoa de convicções. Como resposta, ouviu uma gargalhada generalizada. Mesmo perante tal reação que faria qualquer outro cidadão corar de vergonha, não defendeu a sua honra, limitou-se a procurar justificar o injustificável. Dizem-nos alguns especialistas da área psicológica que, sempre que nos deparamos com situações que eventualmente nos surpreendam pela negativa, devemos cultivar um fundamental Pare, Escute e Olhe. Defendem que não devemos viver reactivamente, que se impõe primeiro observar e sentir, questionar se necessário, sentir antes do mais o impacto de tudo o que nos rodeia e, só depois, reagir. Naturalmente, nunca deixando de estar atentos. Mas evitando julgar primeiro, antes que a precipitação nos conduza por caminhos menos adequados. Assim o vamos fazendo. Mas perturba-nos em demasia a imagem de um ministro ser ridicularizado àquele ponto e tudo ter continuado a decorrer neste nosso país como se nada de grave tivesse acontecido. Já foi há uns anos, é verdade. Mas quantas vezes nos últimos tempos temos sentido esse mesmo embaraço? Muitas! Principalmente porque reforça uma ideia preocupante. Cada vez mais, alguns dos nossos líderes políticos e desportivos vão tornando claro que, tal como nos diz a autora atrás citada, «as palavras são empregues para ganhar status com as coisas que se dizem e, ao nível da expressão verbal, status será dizer uma coisa que não pensam, com uma convicção que não têm, para impressionar quem não respeitam e parecendo aquilo que não são». O conhecido princípio de Peter, aquele que todos sabemos que, de forma implacável, nos aponta a necessidade de nunca pretendermos ir além daquilo para que verdadeiramente somos capazes, aí está em toda a sua plenitude. Vivemos numa sociedade onde a eficácia do desempenho é o meio fundamental de avaliação. E quem não está preparado para a tarefa, o melhor que tem a fazer é demitir-se. Mas claro, apesar de tudo, é muito mais fácil deixarmo-nos levar por uma mente que nos mente.

Conclusão, ou eles mudam (o que, no caso de alguns, já é tarde para o tentarem!), ou alguém os muda. Por uma razão simples. Aumentaram exponencialmente nos últimos anos graves desequilíbrios emocionais. Um pouco por todo Mundo e também no nosso País, chacinas, assaltos, suicídios, reações violentas de todo o tipo expressam um desespero social que urge perceber e antecipar.

Continua na próxima semana