Deem-lhe tempo
Roberto Martínez entrou bem e espera-se que, com o tempo, consiga devolver brilho e carisma a uma Seleção que nos últimos anos primou pelo cinzentismo
ROBERTO MARTÍNEZ ganhou os quatro primeiros jogos a zero no melhor inicio de uma Seleção portuguesa em fases de qualificação. Isto é um facto que parece ter passado ao lado de muito boa gente no rescaldo da sofrida vitória na Islândia - essa mesma equipa de descomplexados latagões nórdicos que nos impôs um empate (1-1) no Europeu da nossa glória eterna (2016). Martínez ganhou quatro jogos em quatro com um parcial de 14-0 mas isso não o dispensou de ouvir (e certamente ler) muitas críticas pela exibição cinzenta e descolorida da Seleção em Reykjavik, onde o ‘velho’ Ronaldo, pela milionésima vez, sacou a vitória com um golo à ponta-de-lança nos instantes finais (para os curiosos da estatística, fiquem a saber que o minuto 89 é o mais prolifico na carreira de CR7: fez 18 golos nesse minuto; acrescento que, dos 838 golos marcados por Ronaldo, 112 aconteceram nos cinco minutos finais; como imaginam, há coisas que não acontecem por acaso).
«Continuo a ser útil, a ajudar e a marcar golos» disse Cristiano, notoriamente feliz, no final do jogo. Não é mentira nenhuma. Ele acabara de completar 200 jogos pela Seleção principal (uma proeza extraordinária) com mais um golo decisivo que certamente lhe soube a mel. E a fel para os que estão pura e simplesmente cansados dele, da sua importância, da sua influência e da sua indesmentível star quality. Que se reflete, por exemplo, no facto de ele ser ainda e praticamente sempre a cara de Portugal na Imprensa desportiva internacional. Sei que é assim, acreditem.
Ronaldo conhece-nos há muito e tem a obrigação de saber as linhas com que se passou a coser depois da época mais atribulada da sua carreira. Portugal é um país que, definitivamente, não convive bem com a grandeza alheia, sobretudo se essa grandeza for conseguida por um dos seus - ainda por cima de modo continuado, consistente e imperial !!! E depois, vinte anos no top é uma marca insolente neste tempo de sound bytes e outras efemérides. Muito tempo.
Roberto Martínez chegou há pouco tempo - dois meses - e estou em crer que não demorará a perceber que Portugal é um país composto por milhões de treinadores catedráticos e outros estudiosos da bola, cada qual com o seu onze, as suas preferências e os seus odiozinhos imperativamente ditados pela cegueira clubística (nisso somos particularmente bons). Algumas das criticas que foram dirigidas ao treinador espanhol (mexeu tarde, a manutenção de três centrais contra um adversário reduzido a dez, Ronaldo muito desacompanhado, etc, etc) fazem sentido, outras talvez não. A exibição da Seleção na Islândia foi cinzenta como foram a da poderosa França no dia anterior (sofrido 1-0 à Grécia) e de outras seleções completamente esgotadas e desejosas de férias. Quem viu a máscara de esforço de Bruno Fernandes (73.º jogo da época) na segunda parte percebe o que queremos dizer.
Roberto Martínez entrou bem e espera-se que, com o tempo, consiga devolver brilho e carisma a uma Selecção que nos últimos anos primou sobretudo pelo cinzentismo - outra coisa que convém ter presente. Os primeiros sinais de Martínez são globalmente encorajadores, assim como o pormaior de se expressar num Português cada vez mais fluente - um sinal de respeito pelo país que o acolhe. Ele tem as suas ideias, como Fernando Santos tinha as dele. Deixemo-lo conhecer melhor os jogadores e perceber as dinâmicas de cada um. Tudo tem o seu tempo. Não me parece justo é esperar que ele consiga, em dois meses, dotar-nos do futebol sexy e da nota artística que a Seleção não tem desde o biénio de Humberto Coelho (1998-2000) e dos primeiros anos de Luiz Felipe Scolari. Em Setembro, muito provavelmente, Roberto Martínez terá uma noção mais precisa do que precisa fazer para, dentro da sua ideia de jogo, tirar o melhor partido da matéria prima que tem. Que só é realmente rica (em quantidade, qualidade e diversidade) num setor especifico: o meio campo.
ARÁBIA AO ATAQUE
NO momento em que escrevo há vários jogadores importantes no futebol europeu com guia de marcha para a Liga saudita, por força das propostas brutais que dali vão chegando a um ritmo frenético, de acordo com o plano gizado pelo multimilionário Mohamed bin Salman, primeiro-ministro, príncipe herdeiro da coroa saudita e responsável por uma série de projetos faraónicos destinados a fazer do reino Saudita um «player» poderoso em setores mediáticos como o desporto e o turismo. Ele está a dar uma continuidade lógica à estratégia que o levou a contratar Cristiano e, mais recentemente, comprar 75% dos quatro maiores clubes sauditas, dotando-os de meios para investirem no primeiro mercado. Por meios entenda-se uma quantidade indecorosa de milhões. A Arábia Saudita está ao ataque, de olhos postos no Mundial de 2030, e os jornais europeus fazem eco disso. É a mina do defeso. O nosso Rúben Neves (26 anos, Wolves) estará tentado a aceitar uma proposta fabulosa do Al Hilal. O internacional francês N’Golo Kante (32, Chelsea) juntou-se ao grande Karim Benzema (35) no Al Itthiad de Nuno Espírito Santo. O Al Nassr de Cristiano estará a apontar o livro de cheques a vários alvos: William Carvalho (31, Bétis), Marcelo Brozovic (30, Inter), Saúl Niguez (28, Atletico Madrid), Hakim Ziyech (30, Chelsea) e Alex Sandro (32, Juventus).
Não sei quantos destes negócios irão mesmo avante, mas a força bruta dos petrodólares sauditas acabará por levar a melhor em muitos casos. A liga saudita prepara-se para ser o próximo El Dorado dos futebolistas que jogam na Europa, depois das tentativas dos EUA, Japão e China. A diferença é que os Sauditas têm recursos para manter todo o tipo de fantasias independentemente dos resultados financeiros. Só para terem uma ideia, segundo o diário ABC de Madrid há clubes da terceira divisão saudita a oferecerem contratos de 4 mil euros por mês mais casa a futebolistas europeus de terceira linha…