Bruno Lage, treinador do Benfica, segura o troféu da Taça da Liga, prova que os encarnados venceram no último sábado ao derrotarem o Sporting nos penáltis, por 7-6, após empate a um golo nos 90 minutos
Bruno Lage, treinador do Benfica, segura o troféu da Taça da Liga, prova que os encarnados venceram no último sábado ao derrotarem o Sporting (Foto: MIGUEL NUNES)

OPINIÃO DE VASCO MENDONÇA Bruno Lage: das palavras aos atos

Selvagem e Sentimental é o espaço semanal de opinião de Vasco Mendonça, consultor de Marketing

Aconteceu-me frequentemente, nos últimos meses, não ver em direto, às vezes nem no próprio dia, as antevisões ou análises pós-jogo feitas por Bruno Lage. Tenho todo o interesse em acompanhar o trabalho do treinador do Benfica, mas, enquanto pessoa que trabalha há alguns anos na área da comunicação e do marketing, fui desenvolvendo uma relação de amor-ódio com este tema, e alguma fadiga com o registo de Lage. Nunca sei se a pessoa que vai ouvir aquilo, designadamente eu, vai reagir enquanto adepto, com os seus anseios e legítimas aspirações, ou enquanto indivíduo que lida diariamente com o tema por razões profissionais, e, por isso, ainda mais propenso a procurar subtextos, significados táticos ou leituras mais profundas naquilo que ouve e lê. Com Lage, muitos desses significados têm confundido adeptos que, como eu, desconfiaram do seu regresso, mas têm a mesma vontade de ganhar que o treinador.

Umas vezes acontecem revelações neste hábito de análise discursiva; outras vezes, nem tanto. Há que registar, com humildade, do adepto e do profissional desta área, as potenciais limitações do exercício. Se me perguntassem pela antevisão do Benfica-SC Braga, a que decidi assistir em direto essencialmente porque queria perceber a extensão de duas derrotas consecutivas e se haveria o reconhecimento de um problema, diria, como disse a alguns amigos benfiquistas, que Bruno Lage parecia um pouco atemorizado, talvez fragilizado pelos resultados e pelas críticas crescentes, visivelmente nervoso com o momento, seu e da equipa que dirige.

Tudo isto acontecia enquanto, na comunicação social, muito se dizia sobre Lage, a direção, os jogadores, procurando responsáveis e ilibando outros tantos, no fundo, tudo o que ajudasse à festa mediática realizada sempre que o Benfica atravessa períodos menos bons — felizmente para a comunicação social, e infelizmente para os benfiquistas, têm sido alguns.

Passados estes dias, há uma ilação que vale a pena retirar. Sejamos nós mais ou menos apreciadores do estilo comunicacional de Bruno Lage, o facto é que as suas respostas mais importantes — e as que mais lhe devemos exigir enquanto adeptos — devem acontecer dentro de campo. O que acontece antes e depois, por muito que possa aguçar a nossa curiosidade, alimentar sonhos ou agudizar estados de alma, aquilo que é dito nem sempre nos diz a verdade e, às vezes, corresponde mais ao que queremos ver do que àquilo que acontece. Neste caso, os rumores foram manifestamente exagerados, e há bastante mérito no desmentido.

Não é que os acontecimentos dentro de campo contem a história toda, e raramente tem sido assim no Benfica destes últimos anos. Mas é bom quando reconhecemos mais atos do que palavras num clube em crise auto-infligida.

Foi assim nesta última semana. Vinte e quatro horas depois de ver um Bruno Lage que me parecera atemorizado na sala de imprensa, a equipa do Benfica apresentou-se em campo com uma atitude diametralmente oposta, explorando a fraca réplica do SC Braga, como se exigia naquele momento. Depois disso, não satisfeita, a equipa apresentou-se contra o Sporting com a mesma vontade de vencer. Não tendo feito uma exibição brilhante, fez o suficiente para justificar uma vitória, mesmo que nos penáltis.

A coroar essa vitória, alguns dias depois, foi publicado nas redes sociais (e na plataforma de streaming do clube) um vídeo protagonizado por Bruno Lage, filmado no balneário após a derrota contra o Sporting em Alvalade. O treinador do Benfica fala com os jogadores e diz-lhes que a Taça da Liga, agora conquistada, seria deles. E foi mesmo. Só vimos essas palavras depois de uma equipa as ter traduzido em atos. Talvez deva ser tudo um pouco mais assim: menos conversa e mais ação.

Não consigo, a não ser com o otimismo que quase sempre acaba por me trair, medir a longevidade daquilo que vimos nos últimos dois jogos. Mas é possível avaliar esses jogos pelo seu valor objetivo: um novo troféu no museu do clube, uma injeção de confiança que parecia evaporar-se a cada dia que passava, e uma ideia muito clara. Podemos dizer o que quisermos, mas o melhor Benfica será sempre aquele que faz o que tem de ser feito, que sabe crescer à altura de cada momento e não se encolhe, e só depois, levantada a taça, passa dos atos às palavras. No sábado, a atitude renovada valeu a conquista de uma Taça da Liga e, como tal, vale mais do que qualquer manifestação eloquente ou atemorizada numa sala de imprensa.

Veremos o que acontece a partir daqui, sem grandes euforias. Esta época parece assemelhar-se mais a uma aventura numa montanha-russa do que a uma viagem de cruzeiro. Para já, um progresso a juntar ao troféu: a ideia de que é possível tirar mais partido do plantel disponível.

Com isto, volto às palavras. Não sei se Bruno Lage decidiu realmente colocar Schjelderup no onze titular porque, como o próprio explicou depois, entendeu que o miúdo norueguês estava finalmente pronto para o seu close-up, ou se o fez porque, como outros treinadores ao longo dos anos, sentiu que uma multidão o exigia. Nem tudo está certo quando se ganha, e nem tudo está mal quando se perde. E também não me convencerão de que a entrada do norueguês neste momento é o corolário de um fantástico plano, como alguns têm procurado explicar. Por essa ordem de ideias, teriam que me explicar qual é afinal o plano para Renato Sanches, mais uma vez lesionado, dias depois de o treinador ter dito que estava mais preparado para corresponder do que o colega Rollheiser (surpresa: não estava). Lamento não assinar por baixo de todas as palavras, mas esta semana faço-o com um sorriso. Feitas as contas, a verdade é que a opção por Schjelderup se revelou acertada em ambos os jogos da final four e trouxe frescura e capacidade inventiva a uma equipa que parecia apostada em pedir a Di María para desbloquear todos os jogos daqui até ao final. Ainda que o mais provável fosse o génio argentino corresponder na totalidade, não seria prudente fazê-lo.

A partir daqui, ainda não sei o que pretende Bruno Lage fazer e talvez opte por não descobrir nas antevisões nem nas entrevistas pós-jogo. A vitória na Taça da Liga foi a melhor forma que Lage tinha de nos pedir que confiemos no processo. Vou tentar, evitando as palavras e esperando que a equipa continue a responder por ele, com mais atos categóricos que tantas vezes têm faltado aos protagonistas no Benfica. É por aqui.