Dá-me Benfica, meu querido mês de agosto
Sabem aquela velha máxima de que um Benfica ganhador é bom para a economia? Pois bem, um Benfica vencedor é bom para a minha saúde
“Já passaram tantos dias, Já passaram tantos meses / E eu ando louco por regressar / Já senti a cada momento / Que a saudade é um tormento / Eu ando louco por regressar / Já passaram tantas horas / De voltar eu bem preciso / Deitar as saudades fora / Cantar xau vamos embora / De regresso ao paraíso”
Dino Meira
SE há uns anos me dissessem que a minha primeira página semanal no jornal A BOLA começaria com os versos de Armandino Marques Meira, eu responderia que era altamente improvável vir a escrever no meu desportivo de sempre e que, na eventualidade de essa oportunidade surgir, jamais utilizaria o Dino Meira num texto. Mas a vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos, por isso aqui estou, muitíssimo feliz e honrado pelo convite que me foi feito para ocupar uma página no meu jornal, e pronto para celebrar o meu querido mês de agosto conforme eternizado por um dos nossos maiores animadores de bailes.
A canção, que foi originalmente pensada para celebrar o regresso anual dos emigrantes a Portugal, serve aqui de pretexto para assinalar o que me parece mais importante nesta fase: o regresso do futebol de clubes e, mais importante, do Benfica. Emociono-me sempre com a seleção, divirto-me muito com as seleções dos outros, consigo até entreter-me com uma competição de dressage nos jogos olímpicos, mas isto só é verdadeiramente a sério quando as camisolas encarnadas de águia ao peito voltam a entrar em campo. Aliás, se juntarmos a isso este ano e meio de pandemia afastado de amigos e familiares, das rulotes e dos estádios, o futebol é mesmo o único arraial que nos resta neste agosto de 2021.
Felizmente o mês começou da melhor forma: várias bolas lá dentro, duas vitórias consecutivas sem grande mácula, exibições individuais e coletivas que pareceram oferecer algumas garantias e prometer outras tantas; em suma, muito mais coisas positivas do que negativas para dizer acerca dos dois jogos. Não vou mentir, e acho que falo por alguns ou mesmo por muitos benfiquistas. Não precisava apenas de voltar a ver o meu clube dentro do relvado. Precisava de voltar a entusiasmar-me com a equipa e de renovar a esperança. Isso aconteceu em ambos os jogos. Fizemos o Spartak de Moscovo parecer uma equipa da Conference League e soubemos superiorizar-nos a um Moreirense muito aguerrido em circunstâncias adversas.
É verdade que agosto será um mês muito longo e a coisa não se avizinha fácil, mas precisávamos muito de começar com boas sensações. E é também verdade que gostamos muito do Benfica quando ganha e devemos gostar ainda mais quando perde, mas este princípio fundamental de vivência do clube tem sido colocado em causa neste ano pós-eleitoral. Não sei se quem o faz pretende fomentar a polarização em nome de uma agenda ou se acredita realmente no que afirma, mas engana-se quem pensa que há benfiquistas que torcem por um Benfica perdedor. Eu não acredito nessa possibilidade, e explico-vos porquê. O meu benfiquismo é ao mesmo tempo comunal e profundamente egoísta: comunal porque celebro com todos os benfiquistas em meu redor e pago a rodada seguinte a um bar inteiro se for preciso; egoísta porque quando o Benfica ganha eu também ganho, e parece-me razoável querer o meu próprio bem.
Sabem aquela velha máxima de que um Benfica ganhador é bom para a economia? Pois bem, um Benfica vencedor é bom para a minha saúde. Acabei de fazer 40 anos, trabalho demasiado e faço pouco exercício físico. Os especialistas e as pessoas que querem o meu bem aconselham-me uma alimentação mais equilibrada, um combate feroz ao sedentarismo, uma redução do tempo laboral, e várias outras coisas que a ciência tem decretado como saudáveis. Apesar da sua boa intenção, não ocorreu a uma única destas pessoas sugerir uma vingança de Estugarda servida a frio em duas doses - em Eindhoven e na Luz - mas é esse o meu objetivo de fitness para agosto.
Se dúvidas restassem acerca do meu otimismo, reparem que hoje é terça-feira de jogo contra o Spartak e já estou na eliminatória seguinte. É porque confio nos rapazes. Se ganharmos, chegarei ao fim do mês com o meu colesterol emocional em níveis historicamente saudáveis. Se perdermos, talvez me inscreva no tal ginásio de Crossfit e expresse aqui umas quantas angústias. Mas não o farei por desejar um Benfica perdedor. Um Benfica perdedor deixa-me doente. Um Benfica perdedor faz de mim pior pessoa. Acima de tudo, um Benfica perdedor não é o Benfica. Querer um Benfica a perder é negar o próprio clube. Pior: querer um Benfica a perder é querer o bem de outro clube qualquer. Mas, querer um Sport Lisboa e Benfica melhor na sua dimensão identitária, institucional e organizacional, e pugnar por isso com frontalidade, não nos aproxima das derrotas. Afirmar isso é, também, querer um Benfica pior. Lá está, não acredito que alguém queira isso.
Que venha por isso tudo o que falta do nosso querido mês de agosto, com o baile no relvado e a bola a rolar em direção ao fundo da baliza; com os adeptos na bancada a demonstrarem que são um reforço vital para a nova época. Não podemos querer outra coisa. Ganhar, ganhar mais, ganhar melhor. «Deitar as saudades embora/Cantar xau vamos embora/De regresso ao paraíso», como dizia o Dino Meira. Essa é a única cola que une todos os benfiquistas. É aquilo que faz do Benfica um clube maior do que a vida. É aquilo que mais importa neste momento.
Benfica entrou em 2021/2022 a todo o gás. Abriu a época com uma vitória em Moscovo e depois bateu o Moreirense
P.S. - Devo o nome deste espaço a Javier Marías, escritor espanhol e autor do livro Selvagens e sentimentais, no qual descreve o futebol como aquilo que é: uma experiência torrencial, um misto de sentimentalismo e selvajaria, uma experiência épica a que todos podem aspirar. Resumindo, uma emoção do caraças que tem a vida toda lá dentro. Espero fazer-lhe justiça.