Cuidado com a picada
A Juventus, como o Inter,tem corpo de escorpião, sólida carapaça defensiva e um espigão sempre pronto a desferir a ferroada fatal
ESTA noite, em Turim, o enésimo capítulo de uma história longa e quase sempre com um final infeliz: a dos confrontos entre portugueses e italianos - infeliz para nós… infelizmente! Sobre o atual momento da Juventus, lembro o que parecia ser o momento do Inter (muito mau, não era?...) e esclareço o seguinte: em quase quarenta anos a acompanhar jogos europeus já perdi a conta às vezes em que fomos vencidos e eliminados por italianos que, assim à primeira vista, pareciam não estar a jogar nada de especial.
Sim, a história de sempre, a ilusão de sempre, o desfecho praticamente de sempre - nós a chorar, eles avanti. Tem havido umas poucas excepções, claro (lembre-se que este Benfica venceu duas vezes a Juventus na fase de grupos da Champions; e o FC Porto de Conceição, nos últimos anos, tratou da saúde à Roma, Juventus, Milan e Lazio), mas de uma forma geral o grande embuste permanece inalterado e nós continuamos a cair nele como patinhos: o Inter não jogava um caracol, não saía da trincheira… e depois eliminou o FC Porto sem sofrer um único golo em 180 minutos (!)… e agora prepara-se para ferrar o mesmo destino ao Benfica.
Eles não sabem nadar, mas quem morre por afogamento (quantas vezes com a praia irritantemente à vista…), somos nós!
Portanto, o Sporting sabe ao que vai. A Juventus, como o Inter, pertence à grande família do futebol italiano. À grande família dos escorpiões que castigam os deslizes alheios com ferroadas letais. Pode Allegri, porque a isso está obrigado (a Juve tem de ganhar a Liga Europa para se qualificar para a Champions), arriscar hoje uma versão mais audaciosa (um 3x4x3, com Angel di María, Milik e Chiesa na frente de ataque), que o perfil da equipa não mudará substancialmente. Defendem bem, são muito fortes do ponto de vista atlético e competem com a astúcia de uma raposa velha (o tanque francês Rabiot é uma boa súmula do que acabei de dizer); e quando farejam medo do outro lado, geralmente não perdoam. Como boas hienas.
Por isso, a única versão do Sporting com possibilidades de sobreviver à armadilha de Turim é aquela que Rúben Amorim apresentou em Frankfurt (sem aqueles minutos iniciais…) e em Londres, tanto no estádio do Tottenham como, sobretudo, no estádio do Arsenal. Um Sporting sem medo, a fazer-se ao jogo com personalidade, caráter e uma vontade enorme de comer o Mundo (como costumava dizer Pep Guardiola no início da carreira de treinador). É um jogo a pedir o fortíssimo espírito de corpo que se viu no Emirates mas também o virtuosismo de predestinados como Pedro Gonçalves, Marcus Edwards e o Francisco Trincão do Casa Pia. Só um leão nesse registo coletivo e individual pode voltar a surpreender a Europa.
Nuno Santos, abraçado por Chermiti, acaba de marcar o golo que eliminou o Arsenal
SCHMIDT PASSOU AO LADO
A derrota clara com o Inter na Luz deixa o Benfica virtualmente encalhado nos quartos de final, o tal patamar de onde nunca conseguiu avançar em 30 edições da Champions (1995: eliminado pelo Milan; 2006: Barcelona; 2012: Chelsea; 2016: Bayern; 2022; Liverpool). Uma pena, porque oportunidades como esta não surgem todos os anos. O Inter surpreendeu porque competiu francamente bem e surgiu muito mais forte daquilo que se esperava. Tal como Sérgio Conceição uns dias antes, também Simone Inzaghi foi muito mais lúcido e incisivo que Roger Schmidt na forma como preparou, percebeu, geriu e capitalizou todos momentos do jogo.
A derrota clara com o Inter na Luz deixa o Benfica virtualmente encalhado nos quartos de final, o tal patamar de onde nunca conseguiu avançar em 30 edições da Champions (1995: eliminado pelo Milan; 2006: Barcelona; 2012: Chelsea; 2016: Bayern; 2022; Liverpool). Uma pena, porque oportunidades como esta não surgem todos os anos. O Inter surpreendeu porque competiu francamente bem e surgiu muito mais forte daquilo que se esperava. Tal como Sérgio Conceição uns dias antes, também Simone Inzaghi foi muito mais lúcido e incisivo que Roger Schmidt na forma como preparou, percebeu, geriu e capitalizou todos momentos do jogo.
O Benfica surpreendeu porque falhou em toda a linha no segundo momento decisivo deste mês e deu mostras de estar sem capacidade física para cumprir, como até agora, a cartilha do treinador alemão; que, aliás, foi o grande derrotado da noite. Pela incapacidade de perceber o que estava a acontecer; pela nula réplica aos movimentos certeiros de Inzaghi; e, last but not the least, pela inenarrável rábula da dupla substituição que ia acontecer ao minuto 90+2 (?!?) e que, afinal, acabou por não se concretizar. Esse episódio deixou o benfiquismo perplexo e, certamente, todos os que criticaram Roberto Martínez por este ter cometido o sacrilégio de lançar o maestro benfiquista João Mário a um minuto do fim num jogo da Selecção. Pois bem: o treinador do Benfica ia lançar não um, mas dois…! no tempo de compensação, num jogo que pedia mexidas há muito tempo.
Para continuar em prova, o Benfica tem de jogar quatro vezes mais do que jogou nestes últimos três jogos. E mesmo assim pode não chegar. Porque o Inter, que tem excelentes executantes até no banco e um treinador com jogo de cintura, mostrou ter a solidez, o cinismo e a paciência que distingue os melhores escorpiões italianos.
MADRID E CITY COMBINAM NOVO DUELO
O Real Madrid dispôs tranquilamente do Chelsea (2-0) no Bernabéu e tem pé e meio na meia-final onde, muito provavelmente, encontrará o Manchester City (supremo vencedor do Bayern), numa reedição do memorável duelo da época passada. O Madrid, que luta pelo 15.º título (!) de campeão europeu, foi superior do princípio ao fim perante um Chelsea constituído por vistosos granadeiros de pólvora seca. Se houvesse uma Champions de futebol sem balizas, o Chelsea seria certamente um forte candidato: tem muitos Armandinhos (para utilizar uma expressão do meu amigo Rui Águas) capazes de uns fogachos aqui e ali, mas ninguém capaz de pesar e decidir no que realmente conta. O único aspeto positivo para a equipa londrina, claramente o flop mais dispendioso do ano, é que não saiu goleada do Bernabéu, como aconteceu ao Bayern em Manchester (0-3), onde se viu uma equipa de época na plenitude dos seus (vastos) recursos e um imenso Bernardo Silva que a Selecção Nacional infelizmente desconhece. Talvez seja este - ao fim de sete anos - o momento de Pep Guardiola. Quanto ao outro jogo de ontem, o Nápoles sem o goleador Osimhen perdeu com o Milan em San Siro (0-1) numa batalha tática espessa e intensa, como era de esperar, mas saiu vivo e com hipóteses de reverter a eliminatória em casa.
Dos quatro perdedores da ronda, o futuro campeão italiano é o que tem mais motivos para acreditar que é ainda possível. Os outros pedem milagres.