Coração, estratégia, erros e PlayStation!
«Mercado de valores», o espaço de opinião de Diogo Luís no jornal A Bola
Depois de um empate frente ao Everton em 2019, Jürgen Klopp, treinador do Liverpool, referiu o seguinte na conferência de imprensa: “Há muitas razões para que isto esteja a acontecer ao Liverpool. Não temos experiência na luta pelo título. Não é um jogo de PlayStation, no qual pões um avançado e o jogo muda. Não é assim. Às vezes precisas de colocar um avançado a mais, outras vezes não. Precisas é de fazer as coisas corretamente, no momento certo”.
Benfica: O que correu mal?
O contexto da Liga dos Campeões é completamente diferente da realidade das competições internas. Para se ter sucesso nesta competição é fundamental ter um coletivo forte, compacto, que perceba o que tem de fazer em cada momento de jogo e que faça sobressair as individualidades. Desta forma, é preponderante ter uma equipa bem mecanizada e com rotinas bem definidas.
Por outras palavras, os jogadores devem conseguir jogar de olhos fechados, o que significa que sabem e percebem os movimentos de cada um deles, que têm sempre duas ou três linhas de passe disponíveis, que se entreajudam, que sabem os momentos de pressionar e que o fazem de uma forma organizada. Ora, no jogo em Milão, Roger Schmidt apostou numa abordagem completamente diferente da que tem utilizado e trabalhado. Apresentou um ataque móvel, sem que este estivesse devidamente trabalhado ou rotinado. As iniciativas ofensivas do Benfica ficaram sempre dependentes da imaginação dos jogadores e não da mecanização coletiva. Tudo isto foi ainda mais visível no comportamento dos jogadores que têm uma enorme qualidade técnica e que não costumam falhar passes (por exemplo Kokçu).
De uma forma simples, quando os jogadores não jogam de olhos fechados, têm de receber a bola e procurar os seus colegas, porque nunca sabem onde estes se encontram. Essa pequena fração de segundo é o suficiente para terem um adversário em cima, que os impede de executar. Foi isto que aconteceu no jogo da última terça-feira. Na primeira parte, ficaram bem visíveis duas questões: A dependência da criatividade de Neres, Rafa e Di María e sempre que a equipa perdia a bola, estes três jogadores não reagiam e ficavam de fora do processo defensivo (agudizando ainda mais o problema que, há muito, está identificado na equipa encarnada: a facilidade com que os adversários conseguem sair da primeira zona de pressão encarnada).
Na segunda parte, com a quebra física dos três criativos e com um posicionamento coletivo mais agressivo por parte do Inter, o Benfica não existiu. Sem ter capacidade para ligar o jogo, o futebol direto era a solução. Como a equipa não tinha um avançado fixo, essa opção acabou por fazer com que o Inter recuperasse a bola de uma forma muito rápida e simples. Outro fator determinante foi a falta de perceção de Roger Schmidt sobre o que se estava a passar no relvado. Como consequência, mexeu muito tarde na equipa e deixou que alguns jogadores se estivessem a arrastar em campo (por exemplo Di María), com prejuízo para uma reação que poderia e deveria ter acontecido. De uma forma simples, Roger Schmidt apostou numa dinâmica que não estava trabalhada, frente a um adversário que se sente muito confortável com e sem bola, que é muito compacto, que tem jogadores com muita qualidade individual e que simplificam muito o jogo (como por exemplo Çalhanoglu). Como referiu Kloop em 2019, o futebol não é PlayStation…
Porto: errar fez a diferença
O Porto tinha pela frente um Barcelona que atravessa uma das melhores fases da era Xavi. Já a equipa azul e branca vinha de um conjunto de exibições pouco conseguidas. Apesar disto, quem conhece o F.C. Porto sabe que na Europa tudo muda. Este é o contexto em que os dragões se transformam. Mais uma vez não desiludiram. Estrategicamente, o jogo foi bem preparado por Sérgio Conceição. Romário Baró voltou a ser titular e tinha como missão, não só auxiliar João Mário nas tarefas defensivas, assim como fechar por dentro e pausar o jogo quando era necessário. Como o futebol não é matemática, foi precisamente de um passe falhado por Baró que o Porto sofreu o golo que ditou a derrota.
A lição é que na Liga dos Campeões não se pode falhar. Será muito injusto responsabilizar Baró pela derrota. Aliás, muito outros falharam, sobretudo na finalização. Por incrível que pareça, este é um dos pontos positivos do jogo e que poderiam ter levado Sérgio Conceição a repetir a frase proferida no final do clássico: “Ganhámos muito mais do que perdemos”. Frente a um poderoso Barcelona o Porto ganhou muito mais do que perdeu: David Carmo começa a solidificar a sua posição, João Mário fez um grande jogo, Wendell fez, talvez, a melhor exibição desde que está no Porto, Alan Varela está a crescer e complementar-se muito bem com Eustáquio, Pêpe executou a sua missão na perfeição, falhando apenas na finalização e Taremi, a espaços, demonstrou a sua importância e qualidade.
Apesar da derrota, os jogadores saem mais confiantes e consistentes deste jogo. O próximo passo será o de fazer com que a equipa, nos jogos contra adversários de menor dimensão, tenha a capacidade de os controlar e criar situações de perigo através de um futebol envolvente. No fundo, ligar os resultados a exibições mais convincentes.
Braga: Qualidade e coração
O Braga está longe de ser uma equipa perfeita. Defensivamente ainda se expõe muito, como são exemplos os dois golos sofridos na Alemanha. Mas há algo que começa a ganhar, e que é o carimbo das grandes equipas: tem jogadores inconformados, que não se atemorizam e que respiram futebol. A reação frente ao Union Berlin foi fantástica, tendo em conta todo o contexto de jogo e a ausência de experiência do clube nesta competição. Se defensivamente ainda tem muito a melhorar, ofensivamente é uma equipa que dá gosto ver jogar. Com movimentos bem definidos, com jogadores que acrescentam características diferentes a uma dinâmica ofensiva bem trabalhada.
Por fim, este Braga demonstra algo que é a marca dos vencedores: tem um coração e uma vontade de vencer enorme. Não é fácil acreditar no processo ou no caminho a seguir quando as coisas não estão a correr bem. Muito mérito para Artur Jorge pelo trajeto, qualidade e crença que passa aos seus jogadores.
Sporting: Péssima abordagem inicial
A primeira parte do Sporting não existiu. Ruben Amorim (RA) analisou a Atalanta e percebeu que se trata de uma equipa muito física com uma forma de jogar peculiar. Faz marcação homem a homem o campo inteiro e tira partido disso. Está mentalmente preparada para a intensidade de jogar desta forma, com os seus jogadores confortáveis com estas circunstâncias. RA sabia perfeitamente disto e decidiu abordar o jogo pelo lado físico. Assim, colocou Paulinho, Gyokeres e Pote na frente de ataque. Na defesa, resguardou coates que tinha apresentado limitações físicas.
Nos primeiros 45 minutos o Sporting não se adaptou à forma de jogar da Atalanta. Tentando corrigir o erro inicial, RA fez entrar Edwards e Catamo. Qual o objetivo? Deixar a atalanta desconfortável atrás, através de jogadores fortes no um contra um, que os colocasse em sentido. Esta solução assim como o ingresso de Coates, trouxeram um Sporting diferente que dividiu o jogo, que podia ter chegado ao empate e que obrigou Gasperini a reajustar a sua equipa de forma a poder voltar a controlar o jogo. Em suma, nas competições europeias não se pode facilitar ou errar. A má abordagem de Ruben Amorim ao jogo fez com que o Sporting averbasse a primeira derrota da época. Muitas vezes, os intervenientes e adeptos têm de descer à terra para perceber que, no futebol, existem momentos bons e outros menos bons. Esta derrota chega numa fase que em nada prejudica os objetivos da equipa verde e branca. Resta saber se irá ter repercussão na confiança dos jogadores, algo que vamos analisar no jogo de hoje frente ao Arouca.
A valorizar: Bruma
Em doze jogos tem seis golos e duas assistências. Aos 28 anos começa, finalmente, a demonstrar a regularidade que lhe tem faltado. A exibição, frente ao Union Berlin, coroada com um golo fenomenal, colocou-o a lutar pelo título de jogador da semana. Se estivesse num clube de outra dimensão, possivelmente, estaria entre os escolhidos de Roberto Martínez.
A desvalorizar: FPF
Depois de Fernando Santos, soubemos, esta semana, que Ilídio Vale foi condenado ao pagamento dos impostos devidos, por ter criado uma empresa para receber aquelas que deveriam ter sido as suas remunerações como funcionário da FPF. Já não sendo um caso único, as questões que coloco são: quem recomendou esta forma de remuneração? Será que há mais funcionários na mesma situação? Da mesma forma que os nossos responsáveis políticos gostam de elogiar e homenagear os sucessos desportivos da FPF, não deveriam ser exigentes e questionar estas situações cinzentas?